Sylvia Telles (para os íntimos, Sylvinha) foi, sem sombra de duvida, uma das melhores intérpretes da chamada “moderna música brasileira” das décadas de 1950/60. Ela veio ao mundo na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, em 27 de agosto de 1934, filha de Paulo Telles, carioca amante da música clássica, e Maria Amélia D’Atri, francesa radicada no Brasil. Era irmã do também cantor e compositor Mário Telles, nascido oito anos antes dela. Sylvinha estudou no Colégio Sagrado Coração de Maria e sonhava em se tornar bailarina. Porém, ao fazer um curso de teatro, descobriu que tinha talento, de fato, para cantar. Dom esse que foi notado, em 1954, pelo compositor Billy Blanco, amigo da família, que apresentou a jovem Sylvinha a amigos músicos. Nas reuniões que eles faziam, ela teve a grata satisfação de conhecer os grandes nomes do rádio na época, entre os quais estava o grande violonista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha), que a ajudou a encontrar trabalho em boates para o início de sua carreira profissional. Na ocasião, Sylvinha conhece seu primeiro namorado, nada mais menos que João Gilberto, amigo de seu irmão Mário Telles. Tal relacionamento, porém, acabou porque os Telles não gostavam do futuro papa da bossa nova, então vivendo de favor na casa dos outros. Em 1955, a convite do humorista Colé Santana (tio do “trapalhão” Dedé), Sylvia Telles participa do musical “Gente bem e champanhota”, apresentado no Teatro Follies de Copacabana, interpretando o samba-canção “Amendoim torradinho”, de Henrique Beltrão, acompanhada ao violão por José Cândido de Mello Matos, o Candinho. A música seria o lado A de seu disco de estreia, um 78 rpm lançado pela Odeon em agosto de 55, tendo no verso outro samba-canção, “Desejo”, de Garoto (falecido três meses antes), José Vasconcelos e Luiz Cláudio. “Amendoim torradinho” foi enorme sucesso, e deu à nossa Sylvinha o prêmio de cantora-revelação de 1955, outorgado pelo jornal ‘O Globo”. Em 1956, Sylvinha e Candinho se casam, passando a apresentar juntos, na TV Rio, o programa “Música e romance”, no qual recebiam ilustres convidados, tais como Dolores Duran, Tom Jobim, Johnny Alf e Billy Blanco. Desse matrimônio, de curta duração, resultou a filha Cláudia, mais tarde também cantora, nascida em 1957, ano em que Sylvinha lança seu primeiro LP, o dez polegadas “Carícia”. Integrou-se à bossa nova, prestes a irromper, frequentando as reuniões de músicos que aconteciam no apartamento de Nara Leão (na época com apenas 15 anos de idade), em Copacabana. É nessa ocasião que Sylvinha participa de um espetáculo no Grupo Universitário Hebraico, juntamente com Carlos Lyra, Roberto Menescal e outros. Foi nesse show, “Carlos Lyra, Sylvia Telles e os seus bossa nova”, que foi divulgada pela primeira vez a expressão que deu nome ao movimento considerado divisor de águas da MPB. O currículo de Sylvinha incluiu também apresentações em países como EUA, França, Suíça e Alemanha. Entre as músicas que ela imortalizou em sua voz, destacam-se “Foi a noite’, “Por causa de você”, “Luar e batucada”. “Suas mãos”, “Cala, meu amor”, “Fotografia”, “Dindi”, “Eu preciso de você”, “Eu sei que vou te amar”, “Esquecendo você”, “Demais”, “Se é tarde me perdoa”, “Só em teus braços” e muitas mais. Uma gloriosa carreira que, infelizmente, terminou de forma trágica e prematura, a 19 de dezembro de 1966, quando Sylvinha, então com apenas 32 anos de idade, faleceu em um desastre automobilístico na Rodovia Amaral Peixoto, em Maricá, litoral fluminense. Ela estava em companhia de seu então namorado Horacinho de Carvalho, filho da socialite Lily de Carvalho, também falecido no acidente (ele dormiu no volante), e ambos se dirigiam à fazenda dele, em Maricá. Sylvia Telles já teve alguns de seus álbuns postados aqui no TM, dada sua importância para a história da MPB. Agora, oferecemos a nossos amigos cultos, ocultos e associados, mais um primoroso trabalho desta inesquecível cantora. É “Bossa, balanço, balada”, editado em 1963, e por sinal o primeiro LP que fez para a recém-fundada Elenco, gravadora que pertencia a seu segundo marido, Aloysio de Oliveira, ex-integrante do Bando da Lua, e que antes passara pela Odeon e pela Philips como diretor artístico. Gravado nos estúdios Riosom, com caprichada e cuidadosa produção de Aloysio, tem um repertório, como não poderia deixar de ser, estupendo, com arranjos a cargo dos supercompetentes Lindolfo Gaya e Moacyr Santos, e músicas assinadas por verdadeiros “cobras”, como, por exemplo, Vinícius de Moraes, em parcerias com Tom Jobim (“Amor em paz”, “Insensatez”) e Carlos Lyra (“Você e eu”). A dupla Roberto Menescal-Ronaldo Bôscoli assina mais três clássicos bossanovistas, “Rio”, “Só quis você” e “Vagamente”, Johnny Alf entrou com “Ilusão à toa”, Tom Jobim assina sozinho o não menos antológico “Samba do avião”, e a dupla Pery Ribeiro-Geraldo Cunha vem com “Bossa na praia”. O programa se completa com “Rua deserta”, de Dorival Caymmi e Carlinhos Guinle, “Sol da meia-noite” (versão de Aloysio de Oliveira para “Midnight sun”, standard do repertório popular norte-americano) e “Dorme”, da parceria Candinho-Ronaldo Bôscoli. Com estes três bês, a bossa, o balanço e a balada, Sylvia Telles mostra por que foi uma das mais expressivas intérpretes da moderna MPB de então, sendo este disco, portanto, mais um presente do TM a todos que apreciam a arte de cantar no que ela tem de melhor e mais expressivo.
*Texto de Samuel Machado Filho