Augusto José Marzagão (Barretos, SP, 12/12/1929) foi um verdadeiro “bruxo” da comunicação, no bom sentido, é claro. Sua atribulada trajetória pessoal iniciou-se aos 22 anos, nas funções de colaborador do então prefeito de São Paulo, Jânio Quadros. Depois disso, Marzagão passou vários anos na surdina, arquitetando um empreendimento fadado a marcar presença numa difícil etapa da vida cultural brasileira: o FIC (Festival Internacional da Canção). E tudo começou em 1965, quando ele foi contatado pela Secretaria de Turismo do Rio de Janeiro, então estado da Guanabara, a fim de organizar uma agenda de promoções e realizar um projeto de divulgação do turismo. Entre as músicas nacionais concorrentes, o FIC premiava uma delas, que se classificaria para a segunda etapa, disputando o troféu Galo de Ouro com candidatos de outros países. O certame teve sete edições no ginásio Maracanãzinho, a primeira com promoção da TV Rio, em 1966, e as demais, entre 1967 e 1972, pela Globo. Marcaram época o bordão do apresentador Hílton Gomes, “Boa sorte, maestro!”, e o “Hino do FIC”, de autoria de Erlon Chaves. Os FICs mudaram e enriqueceram não só a MPB, mas também a própria vida inteligente do país. Vários nomes de prestígio em nossa música popular foram revelados e/ou projetados nacionalmente pelas sete edições do FIC: Mílton Nascimento, Guarabyra, Beth Carvalho, Zé Rodrix, Egberto Gismonti, a dupla Antônio Adolfo-Tibério Gaspar, Taiguara, Paulinho Tapajós e muitos outros mais. Ter aberto essa clareira privilegiada ao talento, em situação particularmente adversa, constituiu, por si só, uma realização pessoal de projeção suficiente para abrir uma página de nossa história cultural a Augusto Marzagão. Prosseguindo o ciclo dedicado aos festivais, o TM oferece hoje a seus amigos cultos, ocultos e associados um álbum referente à terceira edição do FIC, realizada em 1968. Subintitulado ‘As 14 mais internacionais”, é, evidentemente, dedicado à fase “gringa” do evento, e foi lançado pela Philips, gravadora que também editou os três LPs que reuniram todas as concorrentes da fase nacional. E foi justamente no FIC de 68 que o Brasil ganhou pela primeira vez o Galo de Ouro, com “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, a faixa de abertura deste disco, interpretada pelas sempre afinadíssimas vozes do MPB-4 (originalmente foi defendida pela dupla Cynara e Cybele, ex-integrantes do Quarteto em Cy). Era uma espécie de “canção do exílio”, que transmitia bem o clima político da época (o co-autor, Chico Buarque, já estava exilado voluntariamente na Itália), mas o público a considerou alienante e a vaiou impiedosamente, pois preferia “Caminhando (Pra não dizer que não falei das flores)”, de Geraldo Vandré, que acabou vice-campeã e foi proibida pela censura do regime militar, sendo liberada apenas onze anos depois. As outras treze faixas, claro, apresentam músicas de vários países, que concorreram com “Sabiá” na fase internacional do certame. Entre elas uma curiosidade: a música representante da Romênia, “Le bruit des vagues”, defendida originalmente por seu co-autor, Romuald, e aqui na voz de um obscuro Ronaldo, fez bastante sucesso mais tarde numa versão em português de Flávia de Queiroz Lima, gravada por Altemar Dutra, com o nome de “Murmura o mar”. Outro destaque fica por conta da concorrente de Luxemburgo, “Jogo de futebol”, composta e interpretada por Antoine, e mais tarde regravada pelos Brazilian Bitles e pelos Fevers (note-se, na interpretação do autor, que ele canta algumas palavras em português!). E é justo também fazermos menção a Françoise Hardy, autora e intérprete da concorrente da sua França natal, “A quoi ça sert”, e ao grande Jimmy Cliff, que assina e interpreta a concorrente da sua Jamaica, “Waterfall”. Enfim, todo o disco é um documento interessante do que foi a fase internacional do FIC de 1968. Para baixar, ouvir e guardar!
*Texto de Samuel Machado Filho