Em sua edição de número 134, o Grand Record Brazil, agora com periodicidade quinzenal, tem a satisfação de apresentar um dos mais expressivos sambistas que o Brasil já teve. Estamos falando de Jorge Veiga.
Com o nome completo de Jorge de Oliveira Veiga, nosso focalizado veio ao mundo no bairro do Engenho de Dentro, zona norte do Rio de Janeiro, em 14 de abril de 1910. Teve infância de menino pobre, trabalhando como engraxate, vendedor de frutas e pirulitos. Ao chegar à fase adulta, exerceu o ofício de pintor de paredes. Um belo dia, ao ouvi-lo cantar durante o serviço, o dono de uma casa comercial que o futuro astro estava pintando percebeu suas qualidades de intérprete. E conseguiu que ele cantasse em um programa da Rádio Educadora do Brasil (PRB-7), onde fazia imitações de Sílvio Caldas durante o programa “Metrópolis”, pontapé inicial de sua carreira artística, atuando nessa época também em circos e pavilhões. A estreia de Jorge Veiga em disco aconteceu em 1939, participando da gravação da rancheira “Adeus, João”, composta e executada pelo acordeonista Antenógenes Silva, apenas vocalizando o refrão. Em 1942, quando atuava na Rádio Guanabara, conheceu Paulo Gracindo, figura que teve grande importância na carreira do cantor, estimulando-o a cantar sempre com um sorriso nos lábios, garantindo a leveza de suas interpretações e a diversão dos ouvintes. Seu repertório era composto, basicamente, de sambas malandros e anedóticos, além de sambas de breque. E, no carnaval de 1944, consegue seu primeiro sucesso: o samba “Iracema”,de Raul Marques e Otolindo Lopes. No rádio, atuou ainda na Tupi e, mais tarde, na lendária Nacional, onde Floriano Faissal criou o bordão com o qual o cantor sempre iniciava suas apresentações: “Alô, alô, senhores aviadores que cruzam os céus do Brasil! Aqui fala Jorge Veiga, da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Estações do interior, queiram dar seus prefixos para guia de nossas aeronaves. Mantendo sua popularidade por cerca de vinte anos, Jorge Veiga lançou sucessos inesquecíveis, tanto no carnaval como no meio de ano, tais como “O que é que eu tenho com isso?”, “Rosalina”, “Vou sambar em Madureira”, “Eu quero é rosetar”, “Bigorrilho”, “O que é que há?”, “Coração também esquece”, “Cinzas”, “O que é que eu dou”, “Senhor comissário”, “Reza por nosso amor”, “Cala a boca Etelvina”, “História da maçã”, “Orora analfabeta”, “Brigitte Bardot” e “Café soçaite (Depois eu conto…)”. Com esta última, um samba de Miguel Gustavo que satirizava a alta sociedade carioca (e sua sequência, “Boate Trá-lá-lá”), criou,no rádio e na TV, a imagem do malandro grã-fino, apresentando-se sempre de smoking. Gravou na Odeon, Continental, Copacabana e RCA Victor,ao longo de sua carreira. Jorge Veiga faleceu em seu Rio de Janeiro natal em 29 de maio de 1979, aos 69 anos de idade. Nesse ano, teve lançado seu último álbum, “O eterno Jorge Veiga”, pela CBS.
Nesta edição do GRB, um pouco da arte, do estilo inconfundível e do bom humor de Jorge Veiga, em doze raras e preciosas gravações. Abrindo esta seleção, temos o samba “A vida tem dessas coisas”, de Raul Marques e Djalma Mafra, lançado pela Continental em junho de 1946 com o número 15639-B, matriz 1411, no qual é acompanhado pela inconfundível flauta do mestre Benedito Lacerda, a frente de seu regional. Em seguida, o cantor mostra que também era bom de baião junino em “Eu fiz uma prece”, de Bucy Moreira, Ary Cordovil e Araguari, lançado pela Copacabana em maio de 1955 sob número 5408-B, matriz M-1160, tendo também aparecido no LP coletivo de 10 polegadas “Baile na roça”. Na terceira faixa, o bom samba “Conversa, Raul”, de Gil Lima e José Batista, em que Jorge Veiga é acompanhado pelo conjunto de outro Raul, o trombonista Raul de Barros. Gravação Continental de 11 de março de 1948, lançada em maio-junho do mesmo ano sob número 15890-B, matriz 1801. “Cabo Laurindo” é um samba dos mestres Haroldo Lobo e Wilson Batista exaltando a figura exemplar do personagem-título, que saiu da favela como soldado para lutar na Segunda Guerra Mundial e voltou trazendo a Cruz da Vitória. Ao mesmo tempo, chamava a atenção para uma contradição da época: se os pracinhas brasileiros haviam ido lutar no exterior contra ditaduras estrangeiras, por que manter uma dentro de seu próprio país, no caso,o Estado Novo getulista? Gravação Continental de 18 de junho de 1945, lançada em julho do mesmo ano sob número 15381-B, matriz 1172. Logo em seguida temos o lado A, matriz 1171, “Na minha casa mando eu”, samba de outro mestre, Cyro de Souza. A marchinha “Pode ser que não seja”, de João de Barro, o Braguinha, e Antônio Almeida, foi um dos hits do carnaval de 1947.Jorge Veiga a gravou na Continental em 20 de agosto de 46, matriz 1577, e o registro apareceu em disco duas vezes: a primeira em dezembro desse ano com o número 15750-A, e a primeira em fevereiro de 47, já em plena folia, com o número 15762-A. Na primeira edição, apareceu o samba “Martírio”, de Haroldo Lobo e Pery Teixeira, mas, sabe-se lá por que razão, essa tiragem desapareceu do catálogo da Continental, não havendo nenhum exemplar nas mãos de colecionadores. Teria sido de fato comercializada? “Deixa eu viver minha vida” é um samba de Ari Monteiro, lançado pela Continental em maio-junho de 1949 sob número 16076-A, matriz 2062, sendo o acompanhamento do conjunto de Geraldo Medeiros. “Caboclo africano” é um samba-choro de Zé e Zilda, “a dupla da harmonia”, e foi gravado por Jorge Veiga na Continental em 30 de maio de 1946, com lançamento em outubro do mesmo ano, disco 15713-A, matriz 1501. “Medalha dourada”, outro bom samba, é de Otolindo Lopes e Arnô Provenzano, e a Continental o lançou em março-abril de 1950 sob número 16173-B,matriz 2232. “Carne de gato”, samba de Ary dos Santos e Gentill Leal, é o lado B de “Caboclo africano”, matriz 2063. “Testamento do sambista”, de Raul Marques e Alberto Maia, vem a ser o lado A de ”Conversa, Raul”, matriz 1800. Para encerrar, temos a gravação de estreia de Jorge Veiga na Continental: o samba “Morena linda”, de João Martins e Otolindo Lopes, que saiu em junho de 1944 sob número 15160-A, matriz 787. Enfim, uma pequena-grande amostra do legado deixado por aquele que foi cognominado com justiça, “o caricaturista do samba”.Com vocês, o inesquecível Jorge Veiga!
* Texto de Samuel Machado Filho