Um verdadeiro gênio da música popular brasileira. Uma perfeição em tudo que fez: flautista, saxofonista, compositor, arranjador. Um autêntico mestre. E é justamente a obra de Alfredo da Rocha Viana Júnior, aliás, Pixinguinha, que o Grand Record Brazil tem a honra de focalizar nesta e na próxima edição.
Esta autêntica legenda de nossa música popular veio ao mundo no bairro do Catumbi, Rio de Janeiro, no dia 23 de abril de 1897. Seu pai, funcionário dos correios e também flautista, possuía uma vasta coleção de partituras de choros antigos. Nosso focalizado aprendeu música em casa,tendo inclusive aulas de flauta com Irineu “Batina” de Almeida, fazendo parte de uma família com vários irmãos músicos, entre eles Otávio Viana, o China. Foi ele quem conseguiu para o irmão seu primeiro emprego. Pixinguinha começou a atuar como músico ainda adolescente, em 1912, em cabarés da Lapa, e depois substituiu o flautista titular na orquestra da sala de projeção do Cine Rio Branco. Continuou atuando, nos anos seguintes, em cinemas, casas noturnas, ranchos carnavalescos e no teatro de revista, e nessa época também fez suas primeiras gravações em disco. Aos 14 anos, fez sua primeira composição, o choro “Lata de leite”. Integrou, ao lado de Donga e João Pernambuco, o Grupo Caxangá e, a partir deste, em 1919, formou outro conjunto que se tornaria famoso: Os Oito Batutas, que tocava na sala de espera do Cine Palais. Um dos mais assíduos frequentadores dessas audições dos Batutas era Ruy Barbosa, que sempre pedia que eles tocassem “Bem-te-vi”, de Catulo da Paixão Cearense. Os Oito Batutas se apresentaram ainda na França e na Argentina, onde inclusive gravaram uma série de discos na Victor de Buenos Aires. Mais tarde, formou a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, que gravava na Parlophon, subsidiária da Odeon. Outro ilustre fã do mestre do choro era o escritor Mário de Andrade, a quem Pixinguinha forneceu, em 1926, os elementos para a cena de macumba de sua obra-prima, o romance “Macunaíma”.
Contribuindo para que o choro brasileiro encontrasse uma forma musical definitiva, Pixinguinha foi contratado, em 1929, pela recém-instalada filial brasileira da gravadora Victor (depois RCA Victor), como instrumentista, arranjador e maestro. Nessa época dividia com Radamés Gnattali a responsabilidade de reger a Orquestra Victor Brasileira (ou Orquestra Típica Victor). Nessa gravadora também formou o Grupo da Guarda Velha e, mais tarde, a orquestra Diabos do Céu, acompanhando nas gravações os cantores contratados da empresa nessa época, tais como Cármen Miranda, Sílvio Caldas, Gastão Formenti, Francisco Alves, Mário Reis, Patrício Teixeira, Carlos Galhardo,etc. Também formou a Orquestra Columbia de Pixinguinha, igualmente acompanhando os cantores nas gravações de estúdio dessa marca, futura Continental. Mais tarde, em 1937, formou o conjunto Cinco Companheiros. Em 1940, a convite do maestro americano Leopold Stokowski, então em turnê no Brasil, a bordo do navio “Uruguai”, Pixinguinha organizou um grupo de músicos e cantores brasileiros para fazer gravações . Estas, feitas no próprio navio, seriam lançadas nos EUA em dois álbuns de 78 rpm, a raríssima série “Native brazilian music”.
Nos anos 1940, talvez por dificuldades de embocadura, Pixinguinha teve de trocar a flauta pelo saxofone, e realizou, ao lado do flautista Benedito Lacerda,uma série de gravações antológicas, até hoje bastante procuradas por estudiosos e pesquisadores da MPB. Na década de 1950, formou a Turma da Velha Guarda, ao lado de velhos companheiros, tais como Almirante, Donga, Bide e J. Cascata, com quem inclusive gravou LPs rememorativos na Sinter e participou, em 1954, do Festival da Velha Guarda, promovido pela Rádio Record de São Paulo. Em 1962, fez a trilha sonora do filme “Sol sobre a lama”, e ganhou novos parceiros, tais como Vinícius de Moraes e Hermínio Bello de Carvalho. Com este último, fez a música “Fala baixinho”, escrita no hospital após um enfarte que sofrera, em 1964, e finalista em um festival. Em 1968, gravou, ao lado de João da Baiana e Clementina de Jesus, o álbum “Gente da antiga”, produzido justamente por Hermínio. Mestre Pixinguinha faleceu em seu Rio de Janeiro natal, a 17 de fevereiro de 1973, de infarto, na sacristia da Igreja da Paz, no bairro de Ipanema, onde assistia a um batizado, ostentando a mesma elegância com que sempre viveu. E deixando um legado precioso e importante para quem estuda e pesquisa nossa música popular. Uma parte dele o GRB começa a oferecer agora, apresentando, neste primeiro volume, 12 gravações preciosíssimas, todas feitas na RCA Victor. Para começar, Jacob do Bandolim executa o choro “Teu aniversario”, originalmente intitulado “Recordando” e assim gravado pelo próprio Pixinguinha em 1935. O registro de Jacob data de 30 de junho de 1950 e saiu em setembro do mesmo ano, disco 80-0688-B, matriz S-092700. O próprio Pixinguinha, ao saxofone, em dueto com Benedito Lacerda, vem em seguida com outro expressivo choro, “Proezas de Sólon”, em gravação de 4 de junho de 1946, lançada em agosto de 47 sob número 80-0534-B, matriz S-078536. E logo depois, uma raridade: Pixinguinha cantando (!) um lundu que fez com Gastão Viana,“Yaô”, originalmente lançado em 1938 por Patrício Teixeira, com palavras africanas na letra: “akicó” (galo), “pelu adié” (o peru rodopia entre as galinhas), “jacutá” (casa) e “Yaô” (mulher filha de santo). Pixinguinha fez seu registro na RCA Victor em 7 de julho de 1950, com lançamento em setembro do mesmo ano, disco 80-0692-A, matriz S-092707. O duo Pixinguinha (sax)-Benedito Lacerda (flauta) volta em seguida apresentando “Segura ele”, choro que o próprio mestre gravou pela primeira vez, como solista de flauta, em 1930. Esta regravação Victor (com Benedito Lacerda na co-autoria, por acordo comercial que havia entre ele e Pixinguinha) data de 20 de maio de 1946, lançada em outubro do mesmo ano, disco 80-0447-B, matriz S-078520. Uma amostra do talento de Pixinguinha como orquestrador e maestro vem em seguida com a polca (de sua autoria, assim como todas as faixas aqui reunidas) “Marreco quer água”, com ele mesmo regendo sua orquestra. Gravação RCA Victor de 16 de abril de 1959, lançada em julho seguinte sob número 80-2081-A,matriz 13-K2PB-0627. Jacob do Bandolim volta em seguida, recordando outra obra-prima de Pixinguinha, o choro “Sofres porque queres”, que mestre Pizindim (apelido que lhe teria sido dado por sua avó, significando,em africano, “menino bom”) lançou como solista de flauta, em 1917. Jacob o regravou pela RCA Victor em 10 de julho de 1957, com lançamento em setembro seguinte sob número 80-1845-A, matriz 13-H2PB-0165. Temos depois o lado B desse mesmíssimo 78, matriz 13-H2PB-0166, onde Jacob revive outro choro conhecidíssimo do mestre Pixinguinha: “Cochichando”, que antes se chamava “Cochicho” e teve sua primeira gravação em 1944, na voz do cantor Déo, com letra de Braguinha e Alberto Ribeiro. Depois, vem o clássico “Lamento” (que, mais tarde, teria seu título mudado para “Lamentos”, no plural). Lançado originalmente em 1928 pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga, é revivido aqui pelo bandolim mágico do mestre Jacob em gravação RCA Victor de 14 de março de1951, lançada em junho do mesmo ano, disco 80-0767-A, matriz S-092905. Jacob do Bandolim faria uma gravação ainda melhor deste choro em 1967, integrando o LP “Vibrações”. O duo Pixinguinha-Benedito Lacerda retorna depois com outro grande choro, “Pagão”, gravação RCA Victor de 12 de junho de 1946, lançada em março de 47, disco 80-0498-B, matriz S-078662. Eles executam ainda outro choro, “Vagando”, gravação de 26 de dezembro de 1950, lançada pela marca do cachorrinho Nipper em março de 51,disco 80-0746-B, matriz S-092817. “Paciente”, choro executado pela orquestra do próprio Pixinguinha com ele à frente, foi gravado em 16 de abril de 1959, matriz 13-K2PB-0628, e é o lado B do 78 de “Marreco quer água”. A faixa seguinte, outro choro clássico, é “Um a zero”, que Pixinguinha compôs em 1919, por ocasião da conquista do Campeonato Sul-Americano de Futebol pelo Brasil, frente ao Uruguai,. pela contagem que dá título á composição. Lançado originalmente pela dupla Pixinguinha-Benedito Lacerda em 1946, é aqui revivido por Jacob do Bandolim em gravação RCA Victor de 13 de junho de 1955, lançada em agosto seguinte sob número 80-1476-B, matriz BE5VB-0770. Um belo começo para a retrospectiva que o GRB faz, alusiva à obra do mestre Pixinguinha. E teremos ainda muito mais no próximo volume… Aguardem!
* Texto de Samuel Machado Filho