Esta semana o Grand Record Brazil, o “braço de cera” do TM, oferece a primeira de duas partes de uma retrospectiva dedicada a uma notável estrela dos áureos tempos do rádio e dos filmes musicais, extraordinária cantora, acordeonista e atriz: Adelaide Chiozzo. Nossa homenageada veio ao mundo em São Paulo, no dia 13 de maio de 1931, na Rua Martim Buchard, no bairro do Brás, tradicional reduto de italianos e seus descendentes. Residia perto das porteiras do Brás, nas quais costumava se dependurar quando elas se moviam para dar passagem ou impedir o trânsito, autêntico divertimento das crianças nessa época. Seu pai,Geraldo Chiozzo, era natural de Botucatu, interior paulista, e a mãe,Leonor Cavallini, era de Sorocaba. . Hábil marceneiro e mestre-entalhador, Geraldo Chiozzo era gerente da fábrica de móveis Paschoal Bianco. Mais tarde passou a trabalhar por conta própria, recebendo encomendas da mesma empresa. Certa vez, uma loja de músicas pagou os serviços do “seu” Geraldo com um acordeão, que ele não conseguia tocar (o forte dele era o violão). Quem acabou se interessando pelo instrumento foi Adelaidinha, que às escondidas tirou a primeira música, a valsa “Saudades de Matão”, sem auxílio de professor. Os quatro filhos de Geraldo e Leonor, aliás, tinham inclinação musical. Carolina, a mais velha, cantava e tocava violão. O segundo filho, Afonso, também era de acordeão. A filha caçula, Silvinha, cantava, e Adelaide,a terceira filha, é o que sabemos. Aos 11 anos, Adelaidinha se inscreveu num programa de calouros da PRH-9, Rádio Bandeirantes (então “a mais popular emissora paulista”), apresentado por Vicente Leporace, apenas solando músicas como “Branca” e “Saudades de Matão”. Cumpridas quatro etapas, ganhou o primeiro prêmio, em dinheiro, e o convite para atuar em um programa sertanejo matinal da mesma emissora, “Na Serra da Mantiqueira”, dirigido pelos Irmãos Mota, que também faziam seus números. Para maior segurança da garota, seu pai, homem rígido, determinou que Afonso, com seu acordeão, fizesse dupla com ela: os Irmãos Chiozzo. Durante alguns anos, eles passaram a excursionar pelo interior junto com os Irmãos Mota. E toda a família Chiozzo ia em peso, inclusive “seu” Geraldo, de violão em punho, e Dona Leonor, a única não incorporada à parte artística. Durante uma apresentação na cidade mineira de Andradas, em 1945, alguém adentrou o recinto e anunciou, aos gritos, o fim da Segunda Guerra Mundial. Artistas e público imediatamente saíram às ruas, cantando, para comemorar. Em 1946, o pai de Adelaide Chiozzo se muda para Niterói e monta uma pequena fábrica de móveis. O compositor Irany de Oliveira, por acaso, redescobre a futura estrela e a leva ao prestigioso programa de calouros “Papel carbono”, de Renato Murce, na lendária Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Renato exigia uma imitação e ela escolhe a de Pedro Raimundo, “o gaúcho alegre do rádio”. Após quatro semanas, ganha o primeiro prêmio e um contrato da Nacional, mas apenas como acordeonista , pois acreditavam que ela tinha mesmo aquela voz imitativa. Assim passa a fazer parte do regional do flautista Dante Santoro, um dos melhores do Brasil, mesmo sendo mulher e jovenzinha, porém à altura daqueles músicos experientes. Um ano e meio depois, uma cantora falha durante a transmissão e Adelaide, que a acompanhava ao acordeão, a substitui na emergência. Só assim descobrem sua bela voz, passando a aproveitá-la também como cantora. Permaneceria na Rádio Nacional por 25 anos. Foi também Irany de Oliveira quem levou Adelaide, em 1946, com quinze anos, para um teste de cinema na Atlântida, sendo aprovada. Ela e o irmão Afonso acompanham o cantor-caubói Bob Nélson em dois filmes: “Este mundo é um pandeiro” (1947) e “É com esse que eu vou” (1948). Em “E o mundo se diverte” (1949), consegue um quadro só seu, interpretando a rancheira “Tempo de criança”, que mais tarde gravaria e estará em nosso próximo volume. Estreou como atriz no filme “Carnaval no fogo” (1949), onde também interpretou a polca “Pedalando”, que seria para sempre seu carro-chefe e consta deste volume. Atuou também em “Aviso aos navegantes” (Atlântida, 1950), “O petróleo é nosso” (Brasil Vita Filmes, 1954) e “Garotas e samba” (Atlântida, 1957), entre outros filmes. Em janeiro de 1951, casou-se com o violonista e professor de violão Carlos Azevedo Matos (entre namoro, noivado e casamento foram apenas seis meses, pois “seu” Geraldo não abria mão da marcação cerrada). Tiveram uma única filha, Cristina Maria, nascida em 1955, que lhe deu três netos, também músicos talentosos, que passariam também a acompanhar Adelaide em suas apresentações: o baixista e guitarrista Bruno, o tecladista e cavaquinista Fábio Leandro, e o baterista Roberto. O casamento durou até a morte de Carlos Matos, em 2006, aos 80 anos de idade. Por sugestão de Paulo Gracindo, a “Revista do Rádio” promoveu um concurso para escolher a Namoradinha do Brasil, por votação dos leitores. Adelaide ganhou, e ostentaria esse título para sempre, pois não houve outra eleição. Em 1975, seu espetáculo “Cada um tem o acordeão que merece” foi considerado pela crítica o melhor daquele ano. Em 2003, recebeu da Assembleia Legislativa do Ceará o título honorário de “cidadã cearense”. Adelaide Chiozzo gravou,em 78 rpm, 18 discos com 36 músicas, entre 1950 e 1958, sendo oito delas em dueto com Eliana Macedo, também atriz e sobrinha do cineasta Watson Macedo, e duas com sua irmã Sylvinha, todos pela Star e sua sucessora, a Copacabana. Ainda gravou, em 1957, o LP “Lar… Doce melodia”, também na Copacabana. Na televisão, atuou nas novelas “Feijão maravilha” (1979), “Cambalacho” (1986), “Deus nos acuda” (1992-93), todas pela Rede Globo, e na segunda versão de “Uma rosa com amor” (2010), pelo SBT.
Nesta primeira parte da retrospectiva que o GRB dedica a Adelaide Chiozzo, temos onze gravações históricas, nas quais, em sua maior parte, é acompanhada pelo conjunto do marido Carlos Matos. Para começar, temos o clássico “Beijinho doce”, valsa ou corrido de José Alves dos Santos, o Nhô Pai, originalmente lançado pelas Irmãs Castro em 1945. Adelaide o interpretou junto com Eliana Macedo no filme “Aviso aos navegantes”, da Atlântida, e ambas repetiram o dueto em disco, o Star 263-A, em gravação de 1951. Na faixa seguinte, Adelaide recorda, em ritmo de baião (em moda na época), a canção “Minha casa”, de Joubert de Carvalho, originalmente gravada por Sílvio Caldas em 1946. O registro de Adelaide saiu pela Star em julho-agosto de 1952, disco 367-B. Em seguida, a toada “Meu sabiá”, de Carlos Matos em parceira com Antônio Amaral. Saiu pela Copacabana em 1954, sob número 5201-A, matriz M-689, sendo também cantada por Adelaide no filme “O petróleo é nosso”, da Brasil Vita Filmes. A orquestração e a regência são de Alexandre Gnattali, irmão de Radamés. “Sabiá na gaiola”, clássico baião de Hervê Cordovil e Mário Vieira, é outro duo de Adelaide com Eliana Macedo, que o interpretaram no filme “Aí vem o barão”, outra produção da Atlântida. Originalmente lançado por Carmélia Alves, em 1950, seria regravado um ano mais tarde por Adelaide e Eliana na Star, disco 264-A. “Nossa toada”, feita para outro filme da Atlântida, “Garotas e samba” (onde Adelaide faz par romântico com o cantor Francisco Carlos, “El Broto”), é gravação Copacabana de 1957, lançada com o número 5750-A, matriz M-1890. Foi composta por Carlos Matos em parceria com Luiz Carlos, um jovem compositor que logo faleceria sem poder assistir ao filme nem ouvir a gravação. Em seguida, temos a marchinha junina “Cada balão uma estrela”, de Zé Violão e Carrapicho, lançada pela Star em julho-agosto de 1952, disco 356-B. O clássico “Cabeça inchada”, outra composição de Hervê Cordovil, foi originalmente lançado como balanceio, em 1949, por Sólon Sales. Aqui Adelaide Chiozzo e Eliana Macedo o recordam em ritmo de baião, em gravação lançada pela Star no lado B de “Beijinho doce”, disco 263, em 1951, mesmo ano do registro de Carmélia Alves pela Continental. Adelaide e Eliana voltam a se encontrar nas duas faixas seguintes, lançadas em janeiro de 1953 para o carnaval,pela Copacabana, sob número 5026: o samba “Com pandeiro na mão” (lado B, matriz M-283), de Manoel Pinto, D. Ayrão e Jorge Gonçalves, e a marchinha “Queria ser patroa” (lado A, matriz M-282), só de Manoel Pinto e D. Ayrão, que Eliana interpretou solo no filme “Carnaval Atlântida”. A seguir, a música que consagrou Adelaide Chiozzo: a polca “Pedalando”, com melodia do pianista Benê Nunes e letra do ator e futuro cineasta Anselmo Duarte. Adelaide a cantou no filme “Carnaval no fogo”, da Atlântida, sob a direção de Watson Macedo, num cenário holandês, com moinhos de vento e tudo o mais. É a faixa de abertura de seu primeiro disco, o Star 192, lançado em janeiro de 1950, e aqui o acordeão que acompanha Adelaide é de Alencar Terra. Para terminar, outro clássico de Nhô Pai, agora em parceria com outro grande acordeonista, Mário Zan: o rasqueado “Orgulhoso”, criação das Irmãs Castro em 1947, e aqui apresentada em novo dueto de Adelaide com Eliana Macedo, que saiu pela Star em 1951, no lado B de “Sabiá na gaiola”, disco 264. Na próxima semana, concluiremos esta retrospectiva que o GRB dedica a Adelaide Chiozzo. Até lá!
*Texto de Samuel Machado Filho