Já estamos na centésima-primeira edição do Grand Record Brazil, o “braço de cera” do Toque Musical, dedicado à era das 78 rotações por minuto. E nela oferecemos uma significativa amostra do trabalho de um expressivo cantor, compositor e também humorista da era de ouro do rádio: Castro Barbosa. Ele veio ao mundo na cidade de Sabará, interior de Minas Gerais, a 7 de maio de 1905 (ou 1909, não há certeza), batizado com o nome completo de Joaquim Silvério de Castro Barbosa. Era irmão do cantor Luiz Barbosa e do humorista e igualmente cantor Barbosa Júnior, sendo que os três eram filhos de um engenheiro que participara da construção da antiga estrada de ferro Rio-São Paulo. Ainda durante a infância de nosso Joaquim Silvério, a família se transfere para a então Capital da República, o Rio de Janeiro. Em 1924, ele passa a cursar uma escola comercial, formando-se em Contabilidade. Entre 1926 e 1928, trabalha na livraria Braga & Cia., mas em virtude de um acidente ferroviário que sofreu em Teresópolis, fica inativo por alguns meses. Restabelecido, foi trabalhar na Companhia de Navegação Lóide Brasileiro, e nessa ocasião nem pensava em seguir carreira artística. Em 1930, porém, o cantor João Athos, que Castro Barbosa conhecera no Lóide, escutou-o cantarolar e viu que ele levava jeito. Athos o indica para um teste na Rádio Educadora (PRB-7), onde é apresentado a Almirante (“a maior patente do rádio”) , que o leva a seu programa. Castro também participa do ‘Programa Casé”, apresentado por Ademar Casé, avô paterno da atriz e apresentadora de TV Regina Casé. Na emissora, Castro Barbosa trava conhecimento com os maiores cartazes da época, entre eles, Noel Rosa, Custódio Mesquita, Nonô e Francisco Alves. No início de 1931, a convite do compositor André Filho (autor dos clássicos ‘Cidade maravilhosa” e “Alô,alô”), grava seu primeiro disco, na Parlophon, lançado em março desse ano, com o samba-canção “Tu hás de sentir”, de Heitor dos Prazeres, e a marcha “Uvinha”, de André. Nessa ocasião, grava com o Bando da Lua, na Brunswick, o samba “Tá de mona”, de Maércio e Mazinho. No carnaval de 1932, obtém seu primeiro grande sucesso, em gravação Victor (devidamente aprovado em teste pelo então diretor artístico da gravadora,o violonista Rogério Guimarães): a marchinha “Teu cabelo não nega”, de Lamartine Babo e dos irmãos Raul & João Victor Valença, hoje um clássico, vendendo quinze mil cópias (cifra considerável para a época, na qual os grandes cantores vendiam, em média, até mil discos). Mais tarde, conhece João de Freitas Ferreira, o Jonjoca, e em uma festa na casa do cantor Jorge Fernandes, ambos fizeram um dueto de brincadeira, com Barbosa imitando Francisco Alves, o eterno Rei da Voz. Nascia a dupla Jonjoca e Castro Barbosa, que a Victor lança para competir com Chico Alves e Mário Reis, da Odeon, e grava inúmeros hits. Barbosa gravaria, até 1954, 83 discos de 78 rpm com 150 músicas, várias delas de sucesso, mas, em 1937, foi convidado por Renato Murce para substituir o ator Artur de Oliveira no “Programa Palmolive”, da lendária Rádio Nacional, atuando como cantor e humorista ao lado de Jorge Murad e Dircinha Batista. A partir daí, sua atuação como locutor e humorista passa a sobrepujar a carreira de cantor. Em 1939, é convidado por Lauro Borges para atuar no humorístico “PRV-8 Rádio X” (com o pseudônimo de Vasco Ferreira), embrião do que, em poucos anos, viria a ser a notória “PRK-30”, estreada em 1944 na Rádio Mayrink Veiga. Nos primeiros programas, porém, foi Pinto Filho quem atuou ao lado de Lauro Borges, e Castro Barbosa (ex-Vasco Ferreira) só entraria em cena a partir do programa de número 25 da série, interpretando o locutor português Megatério Nababo d’Alicerce, com Lauro no papel de Otelo Trigueiro, o “porigrota da voz lantijolada”. Em 1946, a “PRK-30” transfere-se para a Rádio Nacional, tornando-se uma das maiores audiências da emissora estatal da Praça Mauá,indo depois para a Tupi, sendo, a partir de 1951, apresentado também em São Paulo. Foram muitos anos de absoluto sucesso, e o programa iria inevitavelmente para a televisão, transmitido pelas TVs Rio e Paulista, repetindo o êxito no rádio. Em 1967, com a trágica morte do parceiro Lauro Borges (ele foi encontrado morto, com um tiro na cabeça, na garagem do edifício em que morava,no bairro paulistano da Vila Mariana), Castro Barbosa (mais tarde nome de rua no bairro carioca da Vila Isabel) decide deixar a vida artística, vindo a falecer no dia 30 de abril de 1975, no Rio de Janeiro, de aneurisma no estômago, deixando a viúva, Guilhermina Mendes, três filhos e cinco netos, entre estes últimos a hoje também atriz Renata Castro Barbosa, contratada da Rede Globo de Televisão.
Nesta edição do GRB, apresentamos 19 exemplos notáveis e expressivos da arte musical de Castro Barbosa, solo ou em dupla com outros. Abrindo a seleção, a clássica rumba “Aqueles olhos verdes (Aquellos ojos verdes)”, de Nilo Menéndez (cubano radicado nos EUA) e Adolfo Utrera, em versão de João de Barro, o Braguinha. Gravação Parlophon de 30 de julho de 1932, matriz 131430, inicialmente lançada com o número 13431-A e, em março de 33, reeditada pela Odeon sob número 11005-A. Braguinha também é responsável pela faixa seguinte, a marchinha “Escravos de Jó”, adaptando famosa cantiga de roda, que Barbosa lança na Columbia em janeiro de 1942, para o carnaval desse ano, disco 55323-B, matriz 502. O fox “Julieta” é uma das raras exceções na obra essencialmente sambística de Noel Rosa, em parceria com Eratóstenes Frazão. Castro Barbosa o gravou na Odeon em 3 de agosto de 1933, com lançamento em outubro seguinte sob número 11063-B, matriz 4703. A marcha “Paris sorrirá outra vez” é de Paulo Barbosa e Oswaldo Santiago, e a Columbia o lança em novembro de 1942 (época em que a capital francesa era impiedosamente bombardeada, durante a Segunda Guerra Mundial), sob n.o 55382-A,matriz 565. Castro Barbosa demonstra em seguida seu talento de compositor no samba-canção ‘Tudo que a boca não disse”, que gravou na Victor em 13 de abril de 1937, com lançamento em julho do mesmo ano, disco 34182-B, matriz 80361, que apresentava do outro lado ‘Tua partida”, com Francisco Alves, então retornando à Odeon. A marcha “Asas do Brasil”, da fértil parceria Braguinha-Alberto Ribeiro,é o lado B do disco Columbia de “Paris sorrirá outra vez”, de 1942, matriz 564, e aproveita a melodia de outra composição da dupla, a marcha-rancho “A flor e o vento”, que Francisco Alves lançara na mesma marca dois anos antes. Em seguida, a bela valsa “Dona Felicidade”, do flautista Benedito Lacerda em parceria com Nélson Tangerine, que Barbosa grava na Victor em 19 de abril de 1937, e é lançada em junho do mesmo ano com o n.o 34170-B, matriz 80371. O samba “Vou pegá Lampião”, de J. Thomaz (aquele maestro que regia de luvas brancas sem saber música, e teve de largar a bateria por se queimar com fogos de artifício), faz referência ao famoso e então temido cangaceiro, e Castro Barbosa o grava na mesma Victor em 3 de julho de 1931, com lançamento em agosto do mesmo ano, disco 33451-A, matriz 65183. Em dueto com Almirante, Castro Barbosa interpreta em seguida “A maior descoberta”, rara incursão carnavalesca de Cãndido “Índio” das Neves, compositor essencialmente romântico (“Noite cheia de estrelas”, “A última estrofe”, “Lágrimas”, “Dileta” etc.. Exaltando a mulata, “que venceu mais uma vez”, e é tida como a maior descoberta depois da do Brasil, é lançada pela Victor em fevereiro de 1934, em pleno carnaval, tendo a gravação sido feita a 12 de janeiro, disco 33758-A, matriz 65934. Em seguida, Barbosa interpreta, ao lado de Francisco Alves e Murilo Caldas (irmão de Sílvio), o samba “Desacato”, parceria de Murilo com Wilson Batista e Paulo Vieira, gravado na Odeon em 18 de julho de 1933, e lançado em agosto seguinte sob n.o 11042-B,matriz 4699, obtendo sucesso “desacatador”, segundo a edição impressa. Em seguida vem o lado A, matriz 4693, gravado ainda em 7 de julho, dueto de Castro Barbosa com Francisco Alves: o clássico samba “Feitio de oração”, primeira música da parceria Noel Rosa-Vadico, que tornou antológicas os versos“Ninguém aprende samba no colégio” e “Quem suportar uma paixão/sentirá que o samba então/ nasce no coração”. Note-se o andamento mais rápido que o adotado em gravações posteriores. Depois, Barbosa, agora em dueto com Déo, “o ditador de sucessos”, interpreta o “Frevo n.o 1”, que na verdade, é o famoso “Vassourinhas”, de autoria de Matias da Rocha e Joana Batista Ramos, em adaptação de Almirante. Foi lançado pela Continental em pleno carnaval de 1945, em fevereiro,com o número 15279-B, matriz 1032. O clássico frevo, porém, ficaria mais conhecido a partir de 1950, numa gravação instrumental da Orquestra Tabajara de Severino Araújo. Da dupla de Castro Barbosa com Jonjoca vêm três sambas notáveis. O primeiro é o clássico “Adeus”, de Ismael Silva, Noel Rosa e Francisco Alves, gravação Victor de 12 de abril de 1932, lançada em maio seguinte sob n.o 33548-B,matriz 65451. Da mesma santíssima trindade é “Dona do lugar”, gravação Odeon de 23 de dezembro de 1932, lançada um mês antes do carnaval de 33, janeiro, com o n.o 10966-B, matriz 4562. Em seguida, “Sinto falta de você”, de Jonjoca sem parceiro, gravado na Victor em 12 de junho de 1931 e lançado em julho do mesmo ano, disco 33447-A, matriz 65162. Vêm logo em seguida dois sambas de Raul Marques e Ernâni Silva, gravados por Castro Barbosa em dueto com Aracy de Almeida na Victor em 21 de dezembro de 1936, com lançamento em janeiro de 37, claro que para o carnaval: ‘Eu e você”, matriz 80303, e ‘Helena”, matriz 80304. Em dueto com Sônia Barreto, também radialista e atriz, Castro Barbosa interpreta o fox “Você me enlouquece (You drive me crazy/What did I do?)”, de Walter Donaldson e Franz Skinner, em versão de Lamartine Babo (editada como “Estou ficando maluco por ti”), gravação Victor de 13 de janeiro de 1932, lançada em fevereiro seguinte sob n.o 33526-A,matriz 65360, e também gravado na Odeon por Francisco Alves dias depois. Para terminar, no maior alto astral, a divertida marchinha “Vou espalhando por aí”, de Assis Valente, um dueto de Castro Barbosa com Cármen Miranda, também gravação Victor, esta de 23 de abril de 1934,porém só lançada em junho de 35, quando Cármen já se transferira para a Odeon, sob n.o 33936-A, matriz 79612. Não poderia haver melhor final para esta expressiva retrospectiva que o GRB faz do trabalho musical de Castro Barbosa. Divirtam-se!
*Texto de Samuel Machado Filho