Estamos de volta com o Grand Record Brazil, em sua edição de número 74. Desta vez, apresentamos a primeira de duas partes de uma retrospectiva dedicada a uma das maiores cantoras do Brasil, Cármen Costa. Carmelita Madriaga, seu nome na pia batismal, nasceu na pequena cidade de Trajano de Morais, Estado do Rio de Janeiro, no dia 5 de janeiro de 1920. Seus pais eram meeiros (agricultores que trabalham em terras que pertencem a outras pessoas) na Fazenda Agulha, onde a nossa Carmelita, ainda criança, começou a trabalhar como empregada doméstica, em casa de uma família de protestantes. Foi lá que aprendeu hinos religiosos, assim demonstrando seu talento de cantora. Em 1935, vem a inevitável mudança para o Rio de Janeiro, e, com apenas 15 anos, empregou-se como doméstica na residência de nada mais nada menos que Francisco Alves. É ele quem incentivará Carmelita a seguir carreira artística, fazendo-a cantar numa festa para os convidados, entre eles outra Cármen famosa, a Miranda. Carmelita, em seguida, apresenta-se como caloura no programa do sempre rigoroso Ary Barroso, saindo-se vencedora, e em gravações começou participando de coros em gravações dos “medalhões” da MPB de então. Em 1937, Carmelita conhece o compositor Henricão (Henrique Filipe da Costa), que a batiza artisticamente como Cármen Costa e com quem inicia sua carreira profissional, apresentando-se em feiras de amostras como a do Arraial do Rancho Fundo (Juiz de Fora, MG). Em 1939 Cármen e Henricão se apresentam juntos numa feira de amostras da Praça Quinze, no Rio de Janeiro, ao lado dos maiores cartazes da época (Irmãs Pagas, Alvarenga e Ranchinho, Cármen e Aurora Miranda, etc.). Gravam discos em dupla, cujas músicas iremos apresentar em nosso próximo volume. No carnaval de 1942, consegue seu primeiro grande sucesso com “Está chegando a hora”, presente nesta seleção. Alguns de seus hits: “Só vendo que beleza”, “Carmilito” (também aqui presentes), “Chamego”, “Busto calado”, “Quase”, “Marcha do Cordão da Bola Preta (Segura a chupeta)”, “Tem nêgo bebo aí”, “Cachaça”, “Jarro da saudade”, “Eu sou a outra”, “Obsessão”, etc. Em 1945, casa-se com o americano Hans Van Koehler, e vai viver com ele nos EUA, onde passa uma temporada em Los Angeles e até trabalha como prensadora de discos na RCA Victor! Ela também participou do histórico concerto de bossa nova no Carnegie Hall de Nova York, em 1962, marco da internacionalização do movimento. Ao voltar para o Brasil, nos anos 1950, conhece o compositor Mirabeau Pinheiro, com quem viveu por cinco anos e teve sua única filha, Silésia, também conhecida como Lu. Entre 1959 e 1963, excursiona por diversos países e passa temporadas no Brasil, voltando aos EUA em 1964, e atua em vários shows ao laod do acordeonista Sivuca. Cármen retorna definitivamente à nossa terra no início dos anos 1970, cantando em boates do Rio e de São Paulo. Também gravou muitos LPs, inclusive um de ladainhas e benditos. Apareceu cantando em filmes, tais como “Pra lá de boa” (1949), “Carnaval em Marte” (1955), “Depois eu conto” (1956) e “Vou te contá” (1958). Em 2003, por iniciativa do Museu da República, é “tombada” como patrimônio cultural do Brasil, através de projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal do Rio. Sua última gravação foi com o cantor Elymar Santos, de quem era convidada especial em alguns shows. Cármen Costa faleceu em 25 de abril de 2007, no Rio de Janeiro, de insuficiência renal e parada cardíaca. Mas será sempre lembrada como uma de nossas maiores intérpretes femininas. Nesta primeira parte do retrospecto que a ela dedicamos, apresentamos onze de suas melhores gravações como solista, todas pela Victor. E começamos muito bem, com o samba “Só vendo que beleza”, de Henricão e Rubens Campos, gravação de 19 de fevereiro de 1942, lançada em abril seguinte com o n,o 34892-B, matriz S-052483 (regravado inclusive por Elis Regina). É claro que iremos também ouvir, na faixa 5, o lado A, justamente o clássico “Está chegando a hora”, adaptação em ritmo de samba que, feita pelos mesmos Henricão e Rubens Campos, da canção rancheira mexicana “Cielito Lindo”, composta em 1882 por Quirino Mendoza e Cortés (c.1859-1957) e abriu as portas do estrelato para Cármen Costa. Como não conseguissem gravar a música, Henricão e Cármen pagaram uma tiragem particular na Victor, distribuída somente às emissoras de rádio (gravação de 30 de dezembro de 1941, matriz R-236). Mesmo divulgada precariamente, “Está chegando a hora” obteve sucesso no carnaval de 1942, o que convenceu a Victor a contratar Cármen Costa e a relançar essa mesma matriz, agora em tiragem comercial. Até hoje a música é sucesso no carnaval e em qualquer ocasião em que se precise de uma canção de despedida. Henricão e Rubens assinam também “Siga seu destino”, samba gravado por Cármen em 15 de março de 1946 e lançado em maio seguinte com o n.o 80-0403-A, matriz S-078443. “Não me abandone”, outro samba dessa dupla inseparável, aqui em companhia de José Alcides, foi gravado por Cármen em 24 de novembro de 1943, com lançamento um mês antes do carnaval de 44, janeiro, sob n.o 80-0153-B, matriz S-052889. Dos mesmos Henricão e Rubens é o samba “Já é de madrugada”, gravação de 10 de fevereiro de 1943 lançada em abril do mesmo ano, disco 80-0071-B, matriz S-052717. De Bucy Moreira (ilustre neto da lendária Tia Ciata), Carlos de Souza e Antônio Morais é o samba “Festa na roça”, gravação de 5 de agosto de 1942 lançada em outubro seguinte com o n.o 80-0004-B, matriz S-052591. “Chorei de dor” é outra adaptação de Henricão e Rubens Campos, em ritmo de samba, de canção internacional, esta americana, de autoria de Kennedy e Carr, gravada por Cármen em 24 de novembro de 1943 e lançada em janeiro de 44 (para o carnaval, claro) com o n.o 80-0153-A, matriz S-052888. O samba “Casinha da Marambaia” vem a ser a continuação de “Só vendo que beleza”, dos mesmos Henricão e Rubens, e Cármen irá imortalizar esta sequência no selo do cachorrinho Nipper em 15 de fevereiro de 1944, com lançamento em abril, sob n.o 80-0172-B, matriz S-052927. Em seguida, temos a adaptação sambística, feita por Henricão, para o tango argentino “Caminito”, de Juan de Diós Filiberto. Rebatizada “Carmilito”, é o lado A de “Festa na roça”, matriz S-052590. Depois, Henricão assina com Príncipe Pretinho o samba “Caramba”, destinado ao carnaval de 1943, gravação de 19 de novembro de 42 lançada um mês antes da folia, em janeiro, com o n.o 80-0045-A, matriz S-052660. Completando o programa, o samba-exaltação “Bahia, terra santa”, dos inseparáveis Henricão e Rubens Campos, gravação de 15 de março de 1946, lançada em julho seguinte sob n.o 80-0412-A, matriz S-078445. E na próxima semana, apresentaremos as gravações feitas por Cármen Costa em dueto com Henricão. Encontro marcado! Até lá…
* Texto de Samuel Machado Filho