Marília Pera E Grande Otelo – A Noiva Do Condutor – Opereta Inédita De Noel Rosa (1985)

A Eldorado, gravadora pertencente ao jornal “O Estado de S. Paulo”, deixou um acervo importantíssimo para quem estuda, pesquisa e aprecia a música popular brasileira. Foi fundada em janeiro de 1972, sendo a pioneira na utilização de equipamentos de gravação em 16 canais (até então apenas dois estúdios no Brasil tinham equipamentos para 8 canais), causando uma autêntica revolução em nosso mercado fonográfico. De início, era apenas estúdio de gravação, alugado por gravadoras para produção de discos de artistas do porte de Roberto Carlos, Rita Lee, Tim Maia e Hermeto Paschoal, só para citar alguns.
Em 1977, a Eldorado passa a lançar seus próprios trabalhos em disco, sendo o primeiro deles o álbum “Revendo com a flauta os bons tempos do chorinho”, do flautista Carlos Poyares. A partir daí, muitos artistas, das mais variadas tendências musicais, passariam pela gravadora, entre eles Daniela Mercury (que lançou seu primeiro álbum por esse selo), Nélson Sargento, Mônica Salmaso, Banda Mantiqueira, Raul Seixas, Zimbo Trio, o violonista Yamandú Costa, e até bandas de rock pesado, como Angra e Viper. Duramente atingida pela crise no mercado fonográfico, tanto no Brasil como no mundo, a Eldorado deixou de operar em fevereiro de 2004, voltando a funcionar em agosto do ano seguinte e encerrando definitivamente suas atividades em 2008.
Agora, o Toque Musical oferece a seus amigos, cultos e associados, um dos mais expressivos trabalhos da Eldorado: a gravação, na íntegra, de uma opereta inédita de Noel Rosa (1910-1937), “A noiva do condutor”. Foi composta em 1935, época em que a Rádio Clube do Brasil, onde Noel trabalhava, apresentava o programa “Como se as óperas célebres do mundo houvessem nascido aqui no Rio”. Noel fez três: “O barbeiro de Niterói” (paródia ao “Barbeiro de Sevilha”, de Rossini), “Ladrão de galinha”, apresentando paródias de músicas de sucesso na época, e finalmente esta “Noiva do condutor”, em parceria com o maestro Arnold Gluckmann, alemão radicado no Brasil.
 Este trabalho, gravado em novembro de 1985 e lançado em abril de 86, é fruto de um esforço arqueológico dos pesquisadores João Máximo e Carlos Didier, iniciado em 1983 com outro álbum da mesma Eldorado, “Noel Rosa inédito e desconhecido”, com o Conjunto Coisas Nossas. Foram escalados para a gravação desta opereta inédita do Poeta da Vila dois artistas versáteis: Marília Pêra, carioca da gema (n.1943), ainda hoje em franca atividade, e Grande Otelo (Sebastião Bernardes de Souza Prata, Uberlândia, MG, 1915-Paris, França, 1993). O bonde é a peça-chave do enredo, que começa no bairro carioca de Cascadura. Helena (Marília Pêra) ama Joaquim (interpretado por Carlos Didier), que se declara reservista, vacinado e advogado. Como de praxe nos anos 1930, o dr. Henrique (Grande Otelo), a princípio estrila, mas depois consente no namoro, assim encerrando o primeiro ato. Mas, no segundo ato, Helena descobre, horrorizada, que Joaquim é condutor de bonde, e rompe com o cara, não quer saber mais dele, que implora pelo reatamento, mas o dr. Henrique também se desentende com ele. Quem irá salvar o romance é o pai de Joaquim, um rico banqueiro chamado Jota Barbosa, aqui interpretado por Oscar Bolão, que também atua como baterista e pandeirista neste disco (como vocês veem, nessa época já havia conflito de gerações, e Joaquim tinha virado condutor de bonde para contrariá-lo).
É toda essa história que se desenrola neste trabalho, de inegável valor histórico, com arranjos a cargo do cavaquinista Henrique Cazes e do tecladista Aloísio Didier, que, claro, também participam como músicos. “Cansei de implorar” é uma paródia de ‘Cansei de pedir”, samba do próprio Noel lançado por Aracy de Almeida em 1935.  “Tipo zero”, samba de 1934, foi gravado vinte anos depois por Marília Batista e, para esta opereta, Noel retocou a segunda parte e lhe acrescentou uma nova estrofe. E tudo, claro, acaba num “Finaleto” em que os quatro personagens cantam: “Viva Deus e chova arroz!”, alusão ao costume de se jogar arroz nos noivos recém-casados à saída da igreja, após a cerimônia matrimonial, tradição esta originária da China, há mais de dois mil anos (o arroz é simbolo de fartura).
Choque de gerações, oposição rico-pobre, preconceito contra uma profissão sem status social, hipocrisia em suas manifestações menos dignas (note-se o rebuscamento poético da primeira faixa, “Tudo pelo teu amor”), tudo isso, enfim, está representado neste histórico trabalho que o Toque Musical tem a honra e o prazer de oferecer a vocês, com a chancela do inegável talento deste eterno mestre chamado Noel de Medeiros Rosa!
*Texto de Samuel Machado Filho
prelúdio
tudo pelo teu amor
cansei de implorar
boas tensães
para o bem de todos nós
joaquim condutor
perdoa esse pecador
tipo zero
tudo nos une
finaleto
.

Deixe um comentário