Nesta vigésima-sexta edição, o Grand Record Brazil começa a nos trazer alguns dos momentos mais expressivos de um cantor e compositor que marcou época: Sílvio Narciso de Figueiredo Caldas, o sempre festejado “caboclinho querido”, também carinhosamente chamado de “titio”. Era carioca do bairro de São Cristóvão, onde veio ao mundo no dia 23 de fevereiro de 1906, mas só seria registrado em 1908, segundo ele próprio declarou ao pesquisador, de saudosa memória, Abel Cardoso Júnior. Seu pai, Antônio (autor da valsa “Neusa”, hit de Orlando Silva), era dono de uma pequena loja de instrumentos musicais, e sua mãe, a gaúcha Dona Neném, era afamada modista. Nosso Sílvio foi um talento precoce, pois já com cinco anos de idade apresentou-se no Teatro Fênix, sendo presença requisitada também nas festas e nos clubes de São Cristóvão. No carnaval, era saudado como “o rouxinol” do bloco Família Ideal. Embora macérrimo, foi o primeiro Rei Momo do carnaval carioca! Após deixar o grupo escolar, trabalhou como mecânico de automóveis na Garagem Esperança, nessa condição transferindo-se para São Paulo em 1924. Mas não esqueceu o violão. Quando volta ao seu Rio natal, atraído pelo desenvolvimento por que então passavam o rádio e o disco, Sílvio resolve entrar pra valer na carreira artística, e é levado pelo cantor de tangos Milonguita (Antônio Gomes) para cantar na Rádio Mayrink Veiga. No disco, iniciou-se em fevereiro de 1930 na Victor, alternando gravações nessa marca e na Brunswick, até ficar apenas na Victor, em virtude do fechamento da Brunswick. A princípio, Sílvio cantava basicamente marchinhas e sambas, e seu talento seresteiro iria se revelar a partir de 1934, através de sua importantíssima parceria com Orestes Barbosa, que produziu clássicos inesquecíveis, tais como “Serenata”, “Chão de estrelas” e “Suburbana”. Um dos maiores defensores da MPB, Sílvio Caldas jamais deixava de enfatizar a necessidade de sua preservação, e até preconizava a inclusão de seu ensino nas escolas. Nos últimos anos de vida, residiu em um sítio na cidade de Atibaia, interior de São Paulo, onde morreu no dia 3 de fevereiro de 1998.
Nesta nossa primeira edição do GRB com o grande Sílvio Caldas, oferecemos a nossos amigos cultos, ocultos e associados doze preciosíssimas gravações. Abrindo esta seleção, esta joia de valsa, de autoria de Newton Teixeira e Jorge Fáraj, a clássica “Deusa da minha rua”, imortalizada por Sílvio na Victor em 10 de julho de 1939, matriz 33118, e editada em setembro seguinte com o número 34485-A. Muitíssimo gravada, até mesmo por Roberto Carlos. A segunda faixa também é muito conhecida e regravada: o samba (ou choro) “Da cor do pecado”, principal produto da inspiração do carioca Alberto de Castro Simões da Silva, o Bororó (1898-1986). Vem a ser o lado B da faixa anterior, porém gravado quatro dias antes, a 6 de julho de 1939, matriz 33110. Logo depois, da fase de Sílvio na Continental, trazemos o choro “Pastora dos olhos castanhos”, do violonista Horondino Silva, o Dino Sete Cordas, com letra de Alberto Ribeiro, e acompanhamento do regional do clarinetista potiguar (de Taipu) K-Ximbinho (Sebastião de Barros, 1917-1980). Gravação de 5 de agosto de 1946, porém só lançada em julho de 47 com o número 15786-B, matriz 1565. Trazemos também o lado A, que é o samba “Não chores assim”, do próprio Sílvio Caldas mais Alberto Ribeiro, em gravação de 28 de agosto de 46, matriz 1585, e desta vez quem acompanha Sílvio é o regional do violonista Laurindo de Almeida (Miracatu, SP, 1917-Los Angeles, EUA, 1995), que desenvolveu bem-sucedida e premiada carreira nos EUA. Voltando à Victor, um disco com duas regravações, o de número 34496, lançado em outubro de 1939. No lado A, um nome que começa na palma da mão de todo mundo: o samba-canção “Maria”, dos mestres Ary Barroso e Luiz Peixoto, originalmente registrado pelo próprio Sílvio em 1932 e aqui em regravação de 10 de julho de 1939, matriz 33119. O outro lado, gravado em 6 de julho desse ano, matriz 33115, é outro clássico de Ary, e também samba-canção, agora com letra de outro mestre, Lamartine Babo: “No rancho fundo”, originalmente lançado em 1931 por Elisa Coelho e regravado até mesmo por Chitãozinho e Xororó! A preciosidade seguinte é o samba “Algodão”, de Custódio Mesquita com letra do jornalista David Nasser, também parceiro de Francisco Alves em inúmeros hits. Aludindo ao sofrimento dos negros à época da escravidão no Brasil, foi imortalizado por Sílvio na Victor em 7 de junho de 1944 com lançamento em agosto seguinte, disco 80-0200-A, matriz S-052972. No lado B, que apresentamos em seguida, matriz S-052973, “Noturno em tempo de samba”, também de Custódio Mesquita, agora com seu parceiro mais constante, Evaldo Ruy. Em ambas as faixas, Sílvio é acompanhado pela orquestra do próprio Custódio. Recuando no tempo, encontraremos outro clássico da valsa tupiniquim, “Sorris da minha dor”, do niteroiense Paulo Medeiros, compositor e professor falecido prematuramente, aos 30 anos de idade, em 1941. Gravação Victor de 18 de agosto de 1938, lançada em outubro seguinte, disco 34367-B, matriz 80872, do qual apresentamos em seguida o lado A, do mesmo autor, matriz 80871, a valsa-canção “Falsa felicidade”. Encerrando esta primeira parte, duas composições de Joubert de Carvalho, lançadas em outubro de 1946 pela Continental no mesmo disco, o de número 15712, gravado em 2 de agosto desse ano: a conhecida canção “Minha casa”, matriz 1563, clássico regravado aos cachos, até mesmo por Agnaldo Timóteo, e a valsa “Nunca soubeste amar”, matriz 1564. Vocês não acham que está muito bom pra começar uma retrospectiva do grande Sílvio Caldas? Então recordem, apreciem e aguardem, que na semana que vem tem mais. Até lá!
* TEXTO DE SAMUEL MACHADO FILHO.