Como é, eleitor amigo culto, oculto e associado do TM? Votou certo no último domingo, dia 2? Escolheu bem seus candidatos a prefeitos e vereadores? Bem, o fato é que inúmeras capitais (bem como outras cidades do Brasil e do interior paulista, onde resido) terão segundo turno para prefeitos no próximo dia 28. E tanto para aqueles que moram em cidades onde o prefeito já foi escolhido como para quem mora naquelas que ainda vão para o segundo turno (para estes, pode até servir de aquecimento), o Grand Record Brazil apresenta, em sua edição número 38, treze fonogramas relacionados à política.
Para começar, apresentamos uma gravação particular feita pelo conjunto Os Brasileiros, cuja formação é uma tremenda incógnita, para a campanha de Adhemar de Barros à presidência da República, em 1955, e prensada pela Continental com o número PR-176. São duas músicas do igualmente misterioso Bingo: a marchinha “Ninguém perde esperar” e o samba “Ai, Adhemar”. O grupo lembra bastante formações que marcaram época na MPB: Quatro Ases e um Coringa, Vocalistas Tropicais, Demônios da Garoa, Anjos do Inferno, Trigêmeos Vocalistas (seria um desses?). O fato é que Adhemar não chegou lá, e quem levou a melhor foi Juscelino Kubitschek de Oliveira, o homem dos “50 anos de progresso em 5 de governo”…
Depois pulamos para a campanha presidencial de 1960, que tinha como candidatos a vice-presidente Mílton Campos e João Goulart (que evidentemente levou a melhor). É o “Show do voto livre”, comandado pelo lendário radialista César de Alencar (“Esta canção nasceu pra quem quiser cantar…”), no qual inúmeros cartazes da MPB na época demonstram musicalmente sua opção pelo político gaúcho: Jorge Veiga, Dircinha Batista, Luiz Vieira, Altamiro Carrilho (recém-falecido, à frente de sua famosa bandinha), Elizeth Cardoso, Ivon Cúri, Isaurinha Garcia, o Conjunto Farroupilha, uma escola de samba… Curiosamente, João Goulart era candidato a vice na chapa do Marechal Henrique Lott, e Mílton Campos na de Jânio Quadros, o vencedor. Como não havia vinculação de votos, deu Jango como vice.
Na quinta faixa, apresentamos a marchinha “Comendo bola”, de Hekel Tavares e Luiz Peixoto, gravação de Jayme Redondo na Columbia, disco 5117-B, matriz 380431, lançada em dezembro de 1929 para o carnaval de 30. Era nitidamente contra Getúlio Vargas e a favor de Júlio Prestes de Albuquerque, ambos candidatos à presidência na República nessa época (e Prestes ganhou mas não levou). Nessa época, como se sabe, as coisas estavam fervendo no Brasil: o assassinato de João Pessoa por seu desafeto João Dantas, na Confeitaria A Glória, do Recife, ainda que por razões pessoais, fez a oposição jogar o povo contra o governo, e a Aliança Liberal (Rio Grande do Sul, Paraíba e Minas Gerais) depôs o presidente Washington Luís em 24 de outubro de 1930, empossando, a 3 de novembro, Getúlio Vargas como chefe do governo provisório… e começando uma estadia de quinze anos no poder!
Famosos por suas sátiras de cunho político, que deram até em cadeia, Alvarenga e Ranchinho, “os reis do riso”, apresentam aqui uma delas: é a “Salada política”, ironizando exatamente Getúlio Vargas, utilizando trechos de várias músicas de sucesso, como a marchinha “A mulher do leiteiro”, a valsa “Será?” e “Oh!” Minas Gerais” (“outra mamata não perde jamais”). Eles também citam o brigadeiro Eduardo Gomes, derrotado na eleição presidencial de 1946 pelo marechal Dutra, por sinal apoiado por Getúlio. Gravação Odeon de 8 de outubro de 1946, lançada em janeiro de 47 com o número 12746-A, matriz 8110.
A faixa seguinte é uma exaltação a Getúlio Vargas: o samba “Salve 19 de abril!” (data em que nasceu o então chefe da nação), de Benedito Lacerda e Darcy de Oliveira, gravado por Dalva de Oliveira (em uma das raras oportunidades que teve de cantar como solista em disco, na época em que participava do Trio de Ouro) em 1.o de abril de 1943 (não é mentira!), e lançado pela Odeon em maio seguinte com o n.o 12306-B, matriz 7247.
A faixa seguinte é simplesmente um clássico entre os jingles políticos: o famoso “Varre, varre vassourinha”, da campanha de Jânio Quadros à presidência da República, em 1960. Muito se esperava dele, que levou a melhor sobre o Marechal Henrique Lott (apoiado pelo então presidente JK) e tomou posse em 31 de janeiro de 1961, mas o final da história creio que todos sabem…
Desde 1902, quando se iniciou a gravação fonográfica em nosso país, o “Hino Nacional Brasileiro”, melodia de Francisco Manuel da Silva e letra de Joaquim Osório Duque Estrada, tem recebido inúmeros registros, vocais e instrumentais. Foi composto em 1822, para comemorar a Independência do Brasil, recebendo nove anos depois letra por Ovídio Saraiva de Carvalho, que celebrava a abdicação de D. Pedro I. A letra definitiva, de Joaquim Osório, viria apenas em 1909, aletrada por ele em 1916 e finalmente oficializada em 1922. Pela legislação em vigor, o canto deve ser em uníssono (coro) ou instrumental, razão pela qual não cabe a interpretação-solo. E o registro do nosso querido Hino neste GRB é do tempo em que não havia esse impedimento legal, a cargo de Vicente Celestino, acompanhado pela Banda do Batalhão Naval, em 1918, em 76 rpm da Odeon/Casa Edison, número 121342. Em 1985, Fafá de Belém cantou o “Hino Nacional” de forma livre.
Outra raridade que vem em seguida, em gravação particular, é o “Hino a Tancredo Neves”, feito por ocasião de sua candidatura ao governo de Minas Gerais, em 1960. Entretanto, quem levou a melhor foi Magalhães Pinto. Como se sabe, em 1985, Tancredo Neves seria o último presidente eleito indiretamente no Brasil por colégio eleitoral, mas não tomaria posse, tendo sido operado várias vezes e transferido de hospital, de Brasília para São Paulo.. O Brasil inteiro acompanhou apreensivo a evolução de seu estado de saúde, que foi piorando até que seu falecimento foi anunciado, em pleno dia de Tiradentes daquele ano, 21 de abril.
Em 1950, Getúlio Vargas retorna à presidência, agora por voto direto. E a faixa seguinte é justamente seu discurso de posse no cargo máximo da Nação, em 31 de janeiro de 1951. Depois, vem um de seus tradicionais discursos alusivos ao Dia do Trabalho, 1.o de maio, este de 1952, começando com “trabalhadores do Brasil” e tudo o mais…
E para finalizar, apresentamos mais uma raridade da heróica fase mecânica das 76 rotações por minuto. É a polca “No bico da chaleira”, de Costa Júnior, em gravação instrumental da Banda da Casa Edison, de 1907 (Odeon 108086, matriz XR-619). É uma referência à corte de bajuladores que cercava o então senador Pinheiro Machado, gaúcho de Cruz Alta, que era conhecida como “os pega-na-chaleira” (termo equivalente a “puxa-saco”, termo que seria popularizado anos mais tarde por outra marchinha). Pinheiro Machado seria assassinado no saguão do Hotel dos Estrangeiros, no bairro carioca do Flamengo, em 8 de setembro de 1915. Ele levou uma punhalada nas costas do criminoso Manso de Paiva (que sempre insistia ter agido por conta própria). As últimas palavras de Pinheiro Machado teriam sido: “Ah, canalha! Apunhalaram-me!”
Enfim, esta é mais uma edição histórica do GRB, constituindo autêntica crônica lítero-musical de nossa história política.
Texto de SAMUEL MACHADO FILHO.