Prosseguindo em sua brilhante trajetória, o Grand Record Brazil chega a seu trigésimo-primeiro volume, apresentando alguns dos melhores momentos da cantora Aurora Miranda, irmã mais nova de Cármen.
Ao contrário da irmã famosa, que era portuguesa de nascimento, Aurora Miranda da Cunha nasceu no Rio de Janeiro, em 20 de abril de 1915. Assim como suas irmãs (havia também Cecília, que não seguiu carreira de cantora), nossa Aurora gostava de cantar desde a mais tenra idade, alegrando os frequentadores da pensão dirigida pela mamãe, a dona Emília (esta, portuguesa, com certeza). Embora, na opinião de muitos, ela tenha sido a melhor voz entre as Mirandas, o destino fez Aurora começar no rádio à sombra do êxito retumbante da mana Cármen. Ainda aos 18 anos, foi convidada por Josué de Barros, o mesmo descobridor de Cármen, para cantar um número na Rádio Mayrink Veiga e, com o sucesso, passou a se apresentar no programa de Ademar Casé (avô da atriz e comediante Regina Casé), na PRAX, Rádio Philips. Em 1933, levada pelo próprio Josué de Barros, gravou seu primeiro disco, na Odeon, com duas faixas em dueto com Francisco Alves: a marchinha junina “Cai, cai, balão”, de Assis Valente (considerada pioneira desse gênero entre nós), e o samba “Toque de amor”, de Floriano Ribeiro de Pinho. Um mês depois, novo dueto com Chico Alves no fox “Você só… mente”, dos irmãos Hélio e Noel Rosa, que Aurora interpretaria, em 1989, no filme “Dias melhores virão”, de Cacá Diegues. Aos 25 anos, casou-se com o comerciante Gabriel Richaid, e ambos depois decidiram residir nos Estados Unidos junto com Cármen Miranda. É Aurora, inclusive, quem canta “Os quindins de Iaiá”, de Ary Barroso, no filme “Você já foi á Bahia? (The three caballeros)”, de Walt Disney (1944), misturando “live action” com animação. Nessa época, também participou de programas radiofônicos ao lado de Orson Welles e Rudy Vallee, e fez apresentações no Teatro Roxy e na Boate Copacabana, em Nova York. Voltou ao Brasil em 1952, e após a morte da irmã Cármen, em 1955, contribuiu em muito para perpetuar a memória da “pequena notável”, tendo participado, em 1995, de uma homenagem a Cármen no Lincoln Center de Nova York, além de dar entrevistas quando dos 90 anos de seu nascimento, em 1999, ocasião em que inaugurou inúmeras mostras alusivas ao evento.
Aurora Miranda faleceu de forma discreta, em sua casa no Rio de Janeiro, a 22 de dezembro de 2005, de ataque cardíaco, deixando uma discografia de 81 discos de 78 rpm com 161 músicas, além de um LP na Sinter. Desse legado, o GRB foi buscar onze fonogramas bastante representativos. Para começar, temos a marchinha “Ano novo”, de Custódio Mesquita e Zeca Ivo, gravação Odeon de 23 de outubro de 1935, lançada em dezembro seguinte, disco 11292-A, matriz 5174. Em seguida, o samba-canção “Nêgo… neguinho”, de Custódio Mesquita e Luiz Peixoto, gravado em 27 de abril de 35, com lançamento em junho (11227-B, matriz 5023). A terceira faixa é o samba ‘Câmbio de amor”, também de Custódio Mesquita em parceria com Paulo Orlando, destinado ao carnaval de 1935 (gravação de 7 de agosto de 34, lançada ainda em novembro, disco 11165-B, matriz 4888). Para o Natal de 1935, Aurora gravou a marchinha “Natal divino”, de Mílton Amaral, em 4 de dezembro desse ano, com lançamento a toque de caixa pela Odeon, disco 11288-A, matriz 5173. A faixa 5 é o samba-canção clássico de Ary Barroso, “Risque”, lançado por Aurora na Continental após sua volta ao Brasil, depois de 15 anos de permanência nos Estados Unidos, em março-abril de 1952, disco 16540-B, matriz C-2818 (na faixa 11 vem o lado A, matriz C-2817, uma regravação do samba “Faixa de cetim”, também de Ary, originalmente lançado em 1942 por Orlando Silva). O disco tem orquestração e regência do maestro Radamés Gnattali, com o pseudônimo de Vero, mas “Risque” não fez sucesso na voz de Aurora, segundo ela mesma por falta de empenho da Continental na divulgação do disco, e só no início de 1953 é que a música fez sucesso, com Linda Batista. A faixa 6 apresenta, do quinto disco de Aurora, e pela Odeon (11074-B, matriz 4733), um grande sucesso do carnaval de 1934, “Se a lua contasse”, de Custódio Mesquita (e, segundo alguns estudiosos, em parceria com o médico e radialista Paulo Roberto, não creditado na edição e no disco), gravação de 21 de outubro de 1933 lançada ainda em novembro desse ano. Há uma participação vocal de João Petra de Barros (“a voz de 18 quilates”), também não creditada no selo original. Em seguida seis gravações feitas nos EUA pela Decca, com acompanhamento do Bando da Lua: a da marchinha “Seu condutor”, de Herivelto Martins, Alvarenga e Ranchinho (sucesso destes dois últimos no carnaval de 1938), que Aurora realizou em 14 de agosto de 1941, alguns dias antes, 17 de julho, ela fez a de “Meu limão, meu limoeiro”, tema folclórico adaptado por José Carlos Burle que voltaria a fazer sucesso no final dos anos 1960 com Wilson Simonal. Ambas as gravações não foram lançadas na época nem mesmo nos Estados Unidos, e só chegariam ao Brasil em LP de 1975. Dessa fase também é o registro de Aurora para a clássica marchinha carnavalesca que leva seu nome, de Roberto Martins e Mário Lago, originalmente sucesso de Joel e Gaúcho em 1940 e regravado por Aurora em 20 de agosto de 1941, registro esse lançado no Brasil pela Odeon com o número 18186-A, matriz DLA-2666. A seguir, outro clássico,“Cidade maravilhosa”, marchinha de André Filho que reproduzimos aqui em seu registro original (faixa 14), feito na Odeon em dueto com o próprio autor em 4 de setembro de 1934, com lançamento em outubro seguinte (11154-A, matriz 4901). Hit no carnaval de 1935, foi oficializada como hino da cidade do Rio de Janeiro em 1960, e vale como lembrança de uma cidade que perdeu todo o glamour do passado (mas quem sabe um dia volta?). A faixa 13 é outro registro da Decca americana com Aurora e o Bando da Lua, e outro clássico carnavalesco: “Pastorinhas”, de João “Braguinha” de Barro e Noel Rosa, hit na folia de 1938 com Sílvio Caldas e regravado pela cantora em 20 de agosto de 1941, no Brasil o lado B de “Aurora”, matriz DLA-2666. Na faixa 12, mais um flagrante de Aurora Miranda na Decca: “A jardineira”, marchinha de Benedito Lacerda e Humberto Porto que tomou os salões em 1939 na voz de Orlando Silva e regravada por Aurora nos EUA em 20 de agosto de 1941, tendo o disco saído no Brasil pela Odeon com o número 50029-A, matriz DLA-2642. Para encerrar, uma faixa do primeiro disco de Aurora Miranda, em dueto com Francisco Alves: o já citado samba “Toque de amor”, de Floriano Ribeiro de Pinho, gravação Odeon de 22 de maio de 1933, lançada em junho seguinte sob número 11018-B, matriz 4675. Enfim, uma pequena retrospectiva do trabalho de Aurora Miranda, que, ao contrário da irmã Cármen, nunca mereceu uma ou mais coletâneas individuais de suas gravações, nem em LP nem em CD. Esperamos que, com esta edição do GRB, essa injustiça comece desde já a ser reparada!
TEXTO DE SAMUEL MACHADO FILHO.