É Natal, e a quarta edição do Grand Record Brazil, como não poderia deixar de ser, entra nesse clima de festa e fraternidade, apresentando mais uma seleção de raríssimas gravações.
Para começar, temos o “cantor que dispensa adjetivos”, Carlos Galhardo. Ele apresenta aqui justamente a música que inaugurou o gênero “musica natalina” entre nós: “Boas festas”, composta pelo baiano Assis Valente. Só que aqui, trata-se da segunda gravação da música, feita na Victor em 21 de novembro de 1941, matriz S-052428, sob número de disco 34865-A. O registro original data de 1933, com acompanhamento dos Diabos do Céu de Pixinguinha (aqui é com a orquestra do maestro Passos) e foi justamente com esta música que Galhardo se projetou nacionalmente. Foram vendidas tantas cópias do disco original que a matriz de cera ficou gasta de tanta prensagem, e isso fez com que Galhardo registrasse a música novamente em 1941, o que faria em outras oportunidades. No lado B, matriz S-052429, uma música então inédita: “Sonho de Natal”, outra marchinha, de autoria de Sanches de Andrade. Detalhe intrigante: registra-se como mês de lançamento desse disco o de janeiro de 1942, já perto do carnaval! Dá pra entender? Enfim… Galhardo encerra sua participação nesta edição natalina do GRB com a singela canção “Feliz Natal”, escrita por Peterpan (José Fernandes de Paula, Maceió, AL, 1911-Rio de Janeiro, 1983) e pelo jornalista e poeta Giuseppe Artidoro Ghiaroni (Paraíba do Sul, RJ, 1919-Rio de Janeiro, 2008), que trabalhou na Rádio Nacional (onde escreveu “Mãe”, uma das novelas de maior sucesso da emissora da Praça Mauá, que foi até levada ao cinema) e também assessorou Chico Anysio na TV Globo, quando este fazia a clássica “Escolinha do Professor Raimundo”. Galhardo gravou a música na RCA Victor de sempre em 4 de agosto de 1950, matriz S-092728, com lançamento em outubro (por aí se vê que antecedência nesses casos sempre foi fundamental), com o número 80-0697-A. Há também um registro posterior de Emilinha Borba, cantora da qual Peterpan era cunhado, feito um ano depois deste original de Galhardo, e a “favorita da Marinha” cantava a música todo santo Natal em suas apresentações na Nacional. Outra autêntica raridade é o disco da Continental com o número 15947, gravado em 20 de agosto de 1948 e lançado entre outubro e dezembro do mesmo ano. No lado A, matriz 10936-2, o coro Continental, dirigido por Alberto W. Ream, interpreta “Ó pinheirinho de Natal”, versão de Nice do Val para a canção “Tannenbaum”, de origem alemã, cuja versão mais conhecida foi escrita em 1824 pelo organista, professor e compositor Ernst Anschutz. A melodia é de origem folclórica, e sua primeira letra conhecida data de 1550. No lado B, matriz 10937-2, o próprio Alberto W. Ream interpreta a canção “Ó noite santa”, do compositor e crítico musical francês Adolphe Charles Adam (1803-1856), sem indicação do autor da versão. Alberto W. Ream foi missionário metodista, fundador da Escola de Música Sacra do Colégio Bennett e também ministro de música da Union Church (RJ), professor, compositor e escritor, autor de várias obras sobre música sacra.
Em seguida, “o rouxinol do Brasil”, Dalva de Oliveira, comparece com um disco gravado em 1952, nos estúdios londrinos da EMI, durante sua vitoriosa temporada pela Europa, com acompanhamento orquestral, regência e piano de Roberto Inglez, que apesar do nome era escocês de Elgin (seu nome era Robert Inglis, e o sobrenome mais próximo em português e espanhol é Inglês). Lançado pelas Odeon em seu selo azul internacional com o nr. X-3372, o disco traz duas músicas natalinas tradicionais: no lado A, matriz CE-14164, ela interpreta “Noite de Natal”, que nada mais é que a famosa “Noite feliz”, com uma letra de Mário Rossi diferente da que se costuma cantar. Seu título original é “Stille Nacht, heilige Nacht”, e a música surgiu em 1818, vejam vocês, por um capricho de ratos que entraram no órgão da igreja de Arnsdorf, Áustria, e roeram os foles! Aí, o padre Joseph Mohr saiu atrás de um instrumento que pudesse substituir o órgão (perigava de o Natal daquele ano não ter música) e começou a imaginar como teria sido a noite em que nasceu em Jesus, em Belém. Fez anotações, e procurou o maestro Franz Gruber para musicá-las. Deu no que deu: um clássico imortal! No lado B, matriz CE-14165, outra versão de Mário Rossi, “Lindo presente”, para “Adeste fideles”, um dos mais conhecidos hinos natalinos, com melodia atribuída ao britânico John Francis Wade, e cuja letra inglesa mais conhecida é do padre católico Frederic Oakeley, com o título “Oh come all ye faithful”.
Em seguida um bolachão inquebrável da Philips, nr. P61058H, de 1960 (lançado em dezembro, claro), trazendo um cantor português que teve imensa popularidade entre nós: Francisco José (1924-1988), aquele da música “Teus olhos castanhos”. Aqui, acompanhado pelos Pequenos Cantores da Guanabara, ele interpreta duas canções tradicionais do gênero natalino: outra vez “Noite feliz”, agora em versão do cantor e compositor Paulo Tapajós (que integrou o Trio Melodia com Albertinho Fortuna e Nuno Roland), e “É Natal”, outra versão de Tapajós, agora para “Jingle bells”, composta em 1850 pelo americano James Lord Pierpont, e publicada sete anos mais tarde com o título “One horse open sleigh”. A versão brasileira mais conhecida é a de Evaldo Ruy (“Sinos de Belém”), gravada em 1951 por João Dias.
Prosseguindo, duas notáveis cantoras brasileiras. A primeira é Lana Bittencourt, que se faz presente com o disco Columbia CB-10388-B, matriz CBO-1206, lançado ao apagar das luzes de 1957, trazendo o fox “Feliz Natal”, da dupla Klécius Caldas-Armando Cavalcanti, responsável por inúmeros hits de meio-de-ano e carnaval. “Feliz Natal” foi lançada originalmente por Dick Farney, em 1949, e o registro de Lana também saiu no LP-coletânea “Nosso Natal”, igualmente postado no Toque Musical. Zezé Gonzaga (Manhuaçu, MG, 1926-Rio de Janeiro, 2008), por sua vez, interpreta “Um sonho que sonhei (Marcha dos anõezinhos)”, de autoria de dois expressivos compositores: Alcyr Pires Vermelho e José de Sá Roris, este último parceiro de Nássara no clássico carnavalesco “Periquitinho verde”, de 1938. Zezé lançou esta simpática marchinha ao apagar das luzes (mais um!)de 1951, pela Sinter, com orquestração e regência do sempre eficiente Lírio Panicalli, e o número 10.00.114-B, matriz S-245. O último trabalho de Zezé em disco foi o CD “Sou apenas uma senhora que ainda canta”, lançado em 2002 pela Biscoito Fino.
E, para encerrar com chave de ouro, o Rei da Voz, o eterno Francisco Alves, em disco gravado na sua Odeon de sempre em 5 de dezembro de 1950, mas só lançado um ano depois, ou seja, em dezembro de 51. De qualquer forma a espera valeu a pena. No lado A, a “Canção de Natal do Brasil”, matriz 8876, parceria dele com David Nasser (jornalista que inclusive fez uma série de reportagens sobre Chico na revista “O Cruzeiro”, mais tarde publicadas no livro “Chico Viola”) mais Felisberto Martins, então diretor artístico da “marca do templo”, e a matriz 8877, o lado B, tem “Sinos de Natal”, de Victor Simon e Wilson Roberto. Lembrando que Victor Simon fez também a clássica “Bom dia, café”, sucesso de 1958 na voz de Roberto Luna.
Estas são as relíquias natalinas que o GRB, em sua quarta edição, nos oferece. A todos os amigos cultos e ocultos do Toque Musical, os meus mais sinceros votos de um Natal maravilhoso, e um ano novo repleto de alegrias, realizações e conquistas!
*SAMUEL MACHADO FILHO
boas festas – carlos galhardo
canção de natal do brasil – francisco alves
é natal – francisco josé e os pequenos cantores da guanabara
feliz natal – carlos galhardo
feliz natal – lana bittencourt
lindo presente – dalva de oliveira
noite de natal – dalva de oliveira
noite feliz – francisco josé e os pequenos cantores da guanabara
ó noite santa – alberto w. ream e côro continental
ó pinheirinho de natal – côro continental e alberto w ream
sinos de natal – francisco alves
sonho de natal – carlos galhardo
um sonho que eu sonhei – zezé gonzaga