E eis aqui a primeira edição de 2015 do nosso Grand Record Brazil, o “braço de cera” do Toque Musical, cronologicamente a de número 131. E o GRB começa este ano com o pé direto,homenageando um de nossos mais expressivos compositores, autêntico representante do samba paulista: nada mais nada menos que Adoniran Barbosa.
Nosso ilustre focalizado recebeu na pia batismal o nome de João Rubinato. Nasceu em Valinhos (SP), no dia 6 de agosto de 1910. Filho de imigrantes italianos, abandonou os estudos ainda no curso primário para trabalhar, tendo sido tecelão, balconista, pintor de paredes e até garçom. Ele achava que João Rubinato não era nome de cantor de samba, e resolveu adotar o nome artístico com o qual ficaria para a posteridade, Adoniran Barbosa, com o Adoniran emprestado de um amigo e o sobrenome em homenagem a outro grande sambista, Luiz Barbosa. No início dos anos 1930, Adoniran passou a frequentar os programas de calouros da Rádio Cruzeiro do Sul de São Paulo. Foi várias vezes reprovado por causa da voz fanha, mas, em 1933, obteve o primeiro lugar no programa de Jorge Amaral, interpretando “Filosofia”, de Noel Rosa e André Filho. Em 1935, fez sua primeira música, em parceria com o maestro e compositor J. Aymberê, a marchinha “Dona Boa”, sucesso do carnaval daquele ano (foi inclusive a melhor marchinha dessa folia em São Paulo) e incluída nesta seleção. Em 1941, Adoniran transfere-se da Rádio Cruzeiro do Sul para a Record (então “a maior”), a convite de Otávio Gabus Mendes. Ali começou sua carreira de ator, participando da série radioteatral “Serões domingueiros”, e criando seus primeiros personagens, sempre cômicos, caso do malandro Zé Cunversa e do galã de cinema francês Jean Rubinet. Na Record, Adoniran conheceu o produtor Oswaldo Molles, responsável pela criação e pelo texto dos principais personagens interpretados por ele. Ambos trabalharam juntos por 26 anos, e o maior sucesso da parceria foi o programa “Histórias das malocas”, em que Adoniran interpretava o Charutinho. O programa ficou em cartaz até 1965 e chegou até a ser apresentado na televisão. Adoniran e Osvaldo Molles também foram parceiros em muitos sambas, entre eles os clássicos “Tiro ao álvaro”e “Pafunça”. No cinema, sua primeira aparição foi no filme “Pif-paf”, da Cinédia, em 1945,e Adoniran atuou ainda em “Caídos do céu” (1946), “O cangaceiro” (1953), “Candinho” (1954), “A carrocinha” (1955), estes dois ao lado de Mazzaropi, e “A pensão da dona Estela” (1956). Em 1952, a carreira de Adoniran Barbosa como compositor ganhou impulso quando os Demônios da Garoa foram premiados no carnaval daquele ano com o samba “Malvina”. Em 1953, eles repetiram a dose, com outro samba,“Joga a chave”, de Adoniran e Oswaldo França. Começou aí mais uma parceria de anos na vida do mestre Adoniran, com os Demônios imortalizando vários de seus sambas, verdadeiras crônicas da vida paulistana, tais como “Saudosa maloca”, “O samba do Arnesto” (ambos gravados antes sem sucesso pelo próprio Adoniran), “As mariposa”, “Samba italiano”, “Iracema” e, claro, “Trem das onze”, que foi até premiado no carnaval carioca de 1965 e foi escolhida, em 2000, como a música que melhor representa a cidade de São Paulo, em concurso promovido pela TV Globo. Adoniran também é autor da melodia do samba-canção “Bom dia, tristeza”, com letra de Vinícius de Moraes. Na televisão, ainda atuou nos humorísticos “Papai sabe nada” e “Ceará contra 007”, ambos da Record, e nas novelas “Mulheres de areia” e “Os inocentes”, ambas da Tupi. Gravou seu primeiro LP apenas em 1974, e viriam em seguida mais dois, em 1975 e 1980, este último com a participação de grandes nomes da MPB de então, tais como Clara Nunes, Elis Regina, Djavan, Clementina de Jesus e o grupo MPB-4, em comemoração a seus 70 anos de vida. Adoniran Barbosa morreu no dia 23 de novembro de 1980, aos 72 anos, em São Paulo.
Nesta edição do GRB, um pouco do preciosíssimo legado de Adoniran Barbosa, em dezesseis faixas extraídas de discos 78 rpm. Abrindo esta seleção, o samba “Agora pode chorar”, de Adoniran em parceria com José Nicolini, do carnaval de 1936, que o próprio autor interpreta em gravação lançada pela Columbia em cima dos festejos momescos, em fevereiro, disco 8171-B,matriz 3215. Na faixa seguinte, os Demônios da Garoa interpretam o antológico samba “As mariposa”, de Adoniran sem parceiro, que gravaram na Odeon em primeiro de agosto de 1955, sendo lançado em outubro do mesmo ano, disco 13904-B, matriz 10697. Déo, “o ditador de sucessos”, aqui comparece com o samba “Chega”, de Adoniran em parceria com José Marcílio. Saiu no terceiro disco do cantor, o Columbia 8212-B, em julho de 1936, matriz 3312, e o acompanhamento é do regional do flautista Atílio Grany. “Conselho de mulher”, parceria de Adoniran com Oswaldo Moles e João Belarmino dos Santos, é interpretado por ele mesmo, em gravação Continental de 23 de julho de 1952, só lançada em março-abril de 53, disco 16707-B, matriz 11414. A próxima faixa é justamente a primeira composição de Adoniran Barbosa, a marchinha “Dona Boa”, parceria com J, Aymberê, retumbante sucesso no carnaval paulistano de 1935. Raul Torres, um dos expoentes máximos da música sertaneja de raiz, a gravou pela Columbia, que lançou o registro em disco sob número 8129-A, matriz 3122. “Iracema” , de Adoniran sozinho, é outro clássico samba seu que os Demônios da Garoa imortalizaram,em gravação Odeon de 11 de janeiro de 1956, lançada em março do mesmo ano, disco 14001-A, matriz 10944. Eles ainda nos brindam justamente com o samba “Malvina”, outro só de Adoniran, sucesso do carnaval de 1952, lançado pelo efêmero selo Elite Special em janeiro desse ano, disco N-1065-A, matriz MIB-1081. E os Demônios ainda interpretam aqui “No Morro da Casa Verde”, em gravação Odeon de 5 de maio de 1959, lançada em junho do mesmo ano, disco 14472-A, matriz 50133, também integrando o LP “Pafunça”. Em seguida, temos uma faceta do Adoniran intérprete, com a marcha-rancho “Os mimoso colibri”, de Hervê Cordovil e Oswaldo Molles, gravação Continental de 27 de julho de 1951, lançada entre outubro e dezembro do mesmo ano, disco 16468-A, matriz 11334, visando por certo o carnaval de 52. “Quem bate sou eu”, samba de Adoniran e Artur Bernardo, é gravação Odeon dos Demônios da Garoa, feita em 5 de julho de1956 e lançada em novembro do mesmo ano, disco 14115-B, matriz 11251. Temos em seguida dois indiscutíveis clássicos do samba, nas gravações originais de Adoniran pela Continental, mas que só foram sucesso mais tarde com os Demônios da Garoa. Primeiro, “O samba do Arnesto”, parceria com Alocin (Nicola ao contrário), que Adoniran gravou em 23 de julho de 1952, mas só saiu em março-abril de 53, disco 16707-A, matriz 11415. “Saudade da maloca”, de Adoniran e mais ninguém, é o título original do clássico “Saudosa maloca”, gravado pelo autor em 27 de julho de 1951 e lançado entre outubro e dezembro do mesmo ano sob número 16468-B, matriz 11335. Ambos os sambas receberam várias regravações, e curiosamente, estes registros originais do autor seriam relançados pela Continental em 1955, sob número 17173,com “Saudosa maloca” no lado A e o “Arnesto” no verso. A seguir, uma rara incursão de Adoniran no gênero caipira ou sertanejo de raiz, o cateretê “Tô com a cara torta”, parceria com Ivo de Freitas. Raul Torres e Florêncio o gravaram na Victor em 19 de setembro de 1945, mas o lançamento só aconteceria em abril de 46, disco 80-0393-B, matriz S-078343. “Um amor que já passou”, samba de Adoniran em parceria com Eratóstenes Frazão, é do segundo disco do cantor Déo, o Columbia 8211-B, lançado em julho de 1936, matriz 3319. Em seguida, voltam os Demônios da Garoa com “Um samba no Bexiga”, de Adoniran sem parceria, gravação Odeon de 4 de abril de 1956, lançada em junho do mesmo ano, disco 14049-B, matriz 11110. Para encerrar, novo exemplo do Adoniran Barbosa apenas intérprete, com o samba “Pra que chorar?”, de Peteleco, lançado em janeiro de 1958 pela RGE sob número 10081-B, matriz RGO-497, por certo visando o carnaval desse ano. Enfim, é o que o GRB tem o prazer de oferecer a vocês, precioso legado deixado por Adoniran Barbosa, cujas músicas eram de fato a cara de São Paulo, e ficarão para sempre em nossa memória!
* Texto de Samuel Machado Filho