O Toque Musical novamente apresenta um dos nomes mais representativos da MPB na década de 1970, e que o destino, infelizmente, levou muito cedo. Estamos falando de Mílton Carlos Fantucci, ou simplesmente Mílton Carlos. Ele veio ao mundo no dia 13 de novembro de 1954, na cidade de São Paulo, e era irmão e parceiro da também cantora e compositora Isolda, de quem o TM já postou seu primeiro álbum como cantora-solo. Nosso Mílton começou a se interessar pela música ainda criança, fazendo histórias e músicas para teatrinhos de bonecos, juntamente com a irmã. Ambos, inclusive, atuaram como “backing vocals” (ou seja, fazendo coro) em gravações de cantores consagrados. No início dos anos 70, embora muito jovens, Mílton e Isolda já tinham suas músicas gravadas por nomes como Antônio Marcos, Maria Creuza e o conjunto Os Incríveis. E, em 1973, a dupla se consagra definitivamente quando o “rei” Roberto Carlos grava “Amigos, amigos”, que constitui-se no primeiro grande hit autoral de ambos. De Milton e Isolda, Roberto ainda gravaria “Jogo de damas” (1974), “Elas por elas” (1975), “Pelo avesso’ e “Um jeito estúpido de te amar” (ambas em 1976). Eles ainda teriam músicas gravadas por Wando (“Amanhã é outro dia”, “Na boca do povo”), Ângela Maria (“Nunca mais”) e Agnaldo Rayol (“Eu levo uma cruz na corrente”). E o próprio Mílton Carlos também gravaria algumas de suas músicas com Isolda, com aquela voz fina e infantil que muitos a princípio pensaram ser de mulher! Sua estreia como intérprete acontece em 1974, quando grava um compacto duplo pela RCA, com uma música de autoria de Martinha, “Eu queria”, e outras três que compôs com a irmã Isolda, “Um presente pra ela”, “Amici, amici (Amigos, amigos)” e “Samba quadrado”, esta última constituindo-se em sucesso absoluto de execução e projetando Mílton Carlos nacionalmente. “Samba quadrado” ainda foi, em 1975, faixa-título e de encerramento do primeiro LP de Mílton, que ainda teve outro hit até hoje lembrado, “Memórias do Café Nice”, de Artúlio Reis e Monalisa. Infelizmente, Mílton Carlos morreria prematura e tragicamente, pouco antes de completar 22 anos de idade, no dia 21 de outubro de 1976, em desastre de automóvel, quando vinha de Jundiaí para São Paulo, a bordo de seu Passat. O acidente aconteceu em um trecho da Via Anhanguera, quando o carro do cantor tentou ultrapassar uma carreta Scania-Vabis e colidiu com um caminhão Chevrolet. Com o choque, o Passat de Mílton desgovernou-se e foi colhido pela carreta. Ele e sua noiva, a também cantora Mariley Lima, que estava com ele, morreram na hora, mas o empresário Genildo Oliveira, que viajava no banco de trás, teve apenas ferimentos leves. Apesar de abalada com o acidente que levou o irmão e parceiro, Isolda continuou compondo suas canções, e foi justamente em um momento de grande saudade de Mílton, como vocês já sabem, que ela escreveu seu maior hit autoral, “Outra vez”, gravado em 1977 por Roberto Carlos e lembrado até hoje. Pois o TM oferece hoje a seus amigos cultos, ocultos e associados o segundo e último LP que Mílton Carlos lançou em vida (houve um terceiro, com gravações inéditas, lançado após sua morte, em 1978, e já postado aqui no TM). Trata-se de “Largo do Boticário”, de 1976, produzido com todo o aparato técnico e artístico que então caracterizava as produções fonográficas da RCA, hoje Sony Music. Com a coordenação de Marcelo Duran, e produção, teclados e arranjos do sempre eficiente Sérgio Sá, Mílton Carlos apresenta um excelente repertório, a começar pela faixa-título e de abertura, que compôs em parceria com Artúlio Reis, e que segue a linha saudosista de “Memórias do Café Nice”, hit do disco anterior. Da parceria com a irmã Isolda, ele regrava “Elas por elas”, já sucesso com Roberto Carlos, e apresenta as então inéditas “Me mata”, “Último samba-canção”, “Uma valsa, por favor”, “Vexame” e “Um acalanto”, que encerra o disco. Há ainda composições do produtor do disco, Sérgio Sá, em parceria com o próprio Mílton (“Hora do jantar”) e Antônio Marcos (“Da janela”), e da dupla Edson Conceição e Aloísio (“Zé Biriba”), com direito a regravações dos clássicos “Dorinha, meu amor” (samba de José Francisco de Freitas) e “Alguém me disse” (bolero da profícua parceria Evaldo Gouveia-Jair Amorim). Tudo isso num trabalho imperdível e histórico, onde poderemos conferir, mais uma vez, todo o talento e a musicalidade de Mílton Carlos, e lamentar que o tenhamos perdido de forma tão trágica e prematura. Enfim, coisas do destino…
largo do boticário
da janela
me mata
alguém me disse
hora do jantar
elas por elas
dorinha meu amor
último samba canção
uma valsa por favor
vexame
zé biriba
um acalanto
*Texto de Samuel Machado Filho