Boas noites, meus prezados amigos cultos e ocultos! Vai a saudação no plural para valer pelos dias faltosos. Desculpem, mas o tempo, a cada dia que passa vai ficando mais escasso. Porém, sempre que possível vamos renovando as postagens.
Hoje eu estou trazendo uma curiosa coletânea. Mais um daqueles discos promocionais, feito por encomenda e certamente, com tiragem limitada. Trata-se de um box com dois lps, produzidos para a AEG-Telefunken do Brasil S.A., reunindo alguns de nossos melhores violonistas. Um encontro em disco inusitado e quase tão improvável quanto as coletâneas que fazemos por aqui. Digo isso pelo fato de que a Telefunken foi quem cuidou da pós produção de seu brinde. Criou uma coletânea com gravações de artistas do selo Continental e RCA Victor. Em outras palavras, colocaram na caixa um lp com selo RCA e outro da Continental. Temos no disco da Continental Dilermando Reis, Rago, Paulinho Nogueira e Poly. No disco da RCA temos os Índios Tabajaras, Baden Powell e Sebastião Tapajós. Ainda sobra espaço para o violonista inglês Julian Bream interpretando duas peças de Villa-Lobos. É, sem dúvida, uma coletâneas de excelentes fonogramas, gravações originais extraídas de outro discos. Traz também encartes e livreto contando a história do violão. Muito bacana. Vale uma conferida…
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Os Indios Tabajaras – Always In My Heart (1965)
Muito bom dia, amigos cultos e ocultos! Como eu sei que a maioria não costuma ler sempre os textos de postagens, acredito também que acabam sem saber dos toques e resoluções que tomo aqui Toque Musical. Daí, vez por outra, eu estou sempre voltando a repetir a mesma ladainha: Eu infelizmente não tenho como atender a todas as solicitações de imediato, principalmente quando se trata de reposição de links de postagens antigas. Já tenho aqui uma lista de uns quase 300 pedidos e que a cada dia cresce mais. Já expliquei várias vezes e continuo a repetir, os links, em seus provedores de acesso, tem prazos curtos e dependem muito do fluxo. As vezes caducam antes do tempo, por falta de procura. Ao contrário, outras vezes, costumam ser censurados ou apagados por conta de denúncias idiotas. Dessa forma, vivemos esse eterno faz-desfaz. E como a cada dia cresce mais o nosso acervo, fica cada vez mais difícil manter tudo ‘de bandeja’, como é o desejo de alguns por aqui. Diante disso e de tudo mais é que venho repetindo, a partir do mês de outubro teremos novas mudanças. Ou seja, as postagens deixam de ser necessariamente diárias, acontecendo agora na medida do meu possível. Quem não acompanha o TM perde a chance de encontrar no GTM o link que procura. Continuarei, claro, atendendo aos pedidos, mas tudo dentro do meu tempo. Quem tiver com pressa, eu também atendo, porém, vou cobrar por isso. Começarei a atender, por e-mail, as encomendas pessoais. Estarei cobrando uma pequena taxa, a título de uma compensação pelo serviço prestado. Isso, de uma certa forma, me incomoda um pouco, pois sugere que eu esteja realmente pirateando direitos autorais. Não, não é essa a minha intensão! Não estou vendendo fonogramas. Estarei sim cobrando pelo meu tempo extra, por uma solicitação pessoal e especial. Afinal, sempre tem aqueles que precisam de um determinado arquivo musical ‘prá ontem’. Para esses que tem pressa, estão aflitos atrás do álbum X ou da música Y, eu poderei atender sim, mas mediante a uma compensação. Afinal, nem relógio trabalha de graça, depende sempre de algum coisa, no mínimo dar corda… Vão se preparando…
Seguindo em nossas postagens, tenho para hoje e mais uma vez os internacionais Indios Tabajaras. Desta vez eu trago o álbum que marcou o retorno da dupla. Como todos já devem ter lido, ou já devem saber, Mussaperê (Antenor Moreira Lima) e Herundy (Natalício Moreira Lima), os Indios Tabajaras foram descobertos na década de 40. Fizeram fama internacional graças ao virtuosismo em contraste com o exótico de suas origens. Por conta de uma formação musical de influência internacional, onde predominava um repertório estrangeiro, a dupla passa meio que à margem da história musical brasileira, sendo por muitos até desconhecidos como artistas naturalmente brasileiros.
“Always In My Heart” foi o disco de retorno dos Tabajaras, o segundo gravado nos Estados Unidos, lançado pela RCA Victor. Seis anos após terem gravado o primeiro em Nova York, o qual na época de lançamento não fez sucesso. A faixa com a música “Maria Helena” viria a ser redescoberta por uma rádio americana que passou a utilizá-la na abertura de um de seus programas, o que despertou o interesse do público. A RCA Victor, percebendo o filão correu atrás dos artistas que nessa altura já haviam ‘pendurado as chuteiras’ e nem pensavam mais em mexer como música. Voltaram novamente para os Estados Unidos onde vieram a gravar não apenas este, mas dezenas de outros discos, consolidando assim como verdadeiros artistas internacionais. Neste segundo álbum vamos encontrar um repertório recheado de ‘standards’ da música latina e americana. Um disco muito bem gravado, como cabe a todos os lançamentos da RCA Victor naqueles tempos.
Los Indios Tabajaras – The Best Of (1968)
Bom dia, amigos cultos e ocultos! Aqui estou eu meio frustrado de ainda não ter conseguido sair para a minha viagem de férias. Ficaram algumas pendências e eu resolvi adiar para o domingo. Melhor frustrar antes do que durante, não é mesmo? Assim sendo, tenho ainda mais um dia de postagem regular. O que foi até muito bom, pois ontem tive uma grata surpresa. Sinto até vergonha de contar isso, mas é um fato. Vocês acreditam que até ontem eu achava que os Índios Tabajaras fossem paraguaios? Não sei bem de onde eu formei essa ideia, talvez das pouquíssimas coisas que ouvi deles ou algo lembrando a harpa paraguaia. Talvez por isso mesmo, por não ter dado a eles a devida atenção. Nunca tive a sorte de conhecer melhor essa dupla e agora aqui, estou espantado com a minha ignorância e mais ainda com a história de Los Índios Tabajaras. Acredito que, talvez, muitos como eu desconhece a trajetória de vida e artística dos dois índios, que são legítimos Tabajaras. A história deles é digna de ser levada às telas de cinema ou numa dessas ‘big séries’ produzidas pela Globo. Não sei porque não fizeram isso ainda.
Ontem, meio que por acaso, resolvi ouvir este álbum, movido muito pelo fato de estar ‘zero bala’, novinho mesmo, em seus 43 anos. Além de ser também uma bolacha importada de 180 gramas. Meu tocadiscos e minha Shure não resistem a esses assédios. Foi ao virar a contracapa para de imediato ler algo o que eu já deveria saber, os caras são brasileiros! Procurei de imediato informações na rede para me certificar de tudo aquilo. Entre alguns poucos sites falando sobre ‘Los Índios Tabajaras’, encontrei num blog pessoal, um texto muito bom, não sei se é do autor, Marcelo Cozzare, não há créditos, mas suponho que sim. Achei por bem reproduzi-lo na íntegra. Embora um pouco longo e fora dos nossos padrões, vale a pena ler e conhecer um pouco mais desse duo brasileiro. Certamente, pelo texto, fica claro o porquê eu e tantos outros ignoramos os Índios Tabajaras. Eles eram uma singularidade no Brasil.Quanto ao disco, realmente é uma pérola onde se destacam o brilho do instrumental, o virtuosismo e qualidade musical. Neste álbum, que é uma coletânea, com músicas extraídas de outros discos da dupla, pela RCA Victor, temos um repertório bem variado, o que nos mostra a capacidade desses dois artistas. Só mesmo ouvindo e lendo o texto que segue abaixo…
*A trajetória dos Índios Tabajaras dificilmente encontrará paralelo com qualquer outra, vindo de onde vieram e alcançando, no chamado mundo civilizado, o que alcançaram. Tudo pareceria a criação de um delirante ficcionista, não fosse a mais concreta realidade. Primeiro, por suas origens. São índios brasileiros autênticos, da raça tupi-tabajara, nascidos na remota e agreste serra de Ibiapaba, dentro do então isolado município cearense de Tianguá, na divisa com o Piauí. Na língua tupi, receberam os nomes de Mussaperê e Herundy, que significam O Terceiro e O Quarto, pois estavam nessa ordem de nascimento dos filhos do cacique Ubajara, ou Senhor das Águas, ao todo trinta e quatro irmãos. Levados com a família pelo tenente Hildebrando Moreira Lima para a serra do Cariri, recebem dele nomes de branco: Antenor Moreira Lima (Mussaperê) e Natalício Moreira Lima (Herundy). Ouvindo seu canto em tupi, já que não falavam o português, o tenente reconhece neles qualidades para eventualmente tentar a sorte no sul do Brasil. Do Cariri, em 1933, partem caminhando a pé, com o sonho de chegarem ao Rio de Janeiro, então a capital do Brasil, a milhares de quilômetros de distância. São nessa ocasião dezesseis índios, os pais e quatorze filhos. As dificuldades durante a marcha são imensas. Chegam primeiramente a Pernambuco, depois a Alagoas e à Bahia. Numa feira do Nordeste, compram uma velha viola e vão aprendendo os primeiros acordes sozinhos, como podiam. Mesmo assim tem de trocá-la, num momento de necessidade, por uma cuia de feijão. Na capital baiana, Salvador, conseguem receber a proteção do governador, que lhes fornece passagens gratuitas para o Rio de Janeiro, onde chegam no início de 1937. Mais de três anos já se tinham transcorrido desde a decisão de conhecer a Cidade Maravilhosa. Desembarcaram do navio Almirante Jaceguai e, devido a uma reportagem de jornal dando notícia da odisséia, são acolhidos pelo Albergue Leão XIII. Mussaperê e Herundy, dedilhando a viola e o violão e entoando cantos indígenas, mas com roupas de branco, passam logo a se apresentar nas feiras-livres, até que são levados para a Casa de Caboclo, um teatrinho voltado para a cultura regional brasileira. Não foram, porém, bem sucedidos, talvez porque procurassem negar que eram índios, não obstante o aspecto físico não deixar nenhuma dúvida sobre sua origem. Além disso, quase nada falavam do português, por conseguinte analfabetos, acima de tudo amedrontados, porque muito ingenuamente, acreditaram em alguém que lhes disse que, no Rio de Janeiro, caso descobrissem que eram índios, seriam imediatamente mortos! Demoraram, por isso, mais tempo para se adaptarem aos costumes da cidade grande. Outra oportunidade apareceria através de um contrato oferecido pelo apresentador radiofônico Paulo Roberto, para cantarem na Rádio Cruzeiro do Sul, do Rio de Janeiro, em 1942, com a condição expressa de fazerem publicidade de sua verdadeira origem, um fator positivo de interesse e não negativo como julgavam. Os Irmãos Tabajara são dois bugres…fazendo sucesso no rádio carioca. São interessantíssimos no gênero que aprenderam naturalmente, quando não pensavam em cantar no rádio. Artistas por índole, dedilham magistralmente a viola e o violão, arrancando das cordas efeitos de grande beleza e emotividade – publicava a revista Carioca, de 25.7.1942. Passam a atuar também nos cassinos da Urca e da Pampulha, em Belo Horizonte. Em 1944, vão a São Paulo para, em seguida, empreenderem uma longa temporada por toda a América Latina, que se estenderá até 1949. Começam pela Argentina, onde o sucesso foi grande e depois rumam para o Chile, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela, Cuba e México. Às vezes só ganhavam o suficiente para a alimentação e o prosseguimento da viajem. Mussaperê já vinha se interessando pelos autores clássicos: Beethoven, Bach, Litzt, Mozart e outros grandes mestres. Quando chegam ao México ainda só sabiam tocar de ouvido, sem nenhum conhecimento teórico musical. Num espetáculo, são apresentados pelo ator mexicano Ricardo Montalbán como “analfabetos musicais”, um modo peculiar encontrado para dizer que, apesar disso, tocavam bem, mas que os acabou instigando a aprender música. Mussaperê volta para Caracas e toma lições com Francisco Christancho, maestro da sinfônica da capital venezuelana, e prossegue seus estudos no Brasil. Herundy, por sua vez, volta a Buenos Aires, onde compra uma casa, e também passa a se dedicar ao estudo da música e do canto. EUROPA Dois anos depois, reúnem-se novamente e partem para uma excursão à Europa. A música clássica passa então a predominar em seu repertório. Tornam-se respeitados em vários países como intérpretes de Tchaikovsky, Sibelius, Targa, Falla, Villa-Lobos, Chopin e outros. As adaptações instrumentais são feitas por Mussaperê, que as passa para o irmão. Incluem também em seus espetáculos músicas folclóricas européias, cantando-as nos diversos idiomas, sempre com os maiores aplausos do público e a melhor crítica, a ponto de terem a agenda tão cheia de compromissos que têm de recusar muitos convites. Foi uma demorada excursão que terminaria em Madri, onde o êxito não foi menor. No retorno ao Brasil, no entanto, sentiram que não passavam de uns ilustres desconhecidos e que a música que faziam não correspondia ao interesse das gravadoras e das emissoras. É quando fazem três discos na gravadora Continental, lançados em 1953/54: Tambor Índio/Acara Cary (16.869), Pássaro Campana/Fiesta Linda (16.913) e Te Besaré/Te Quiero Mucho Más (16.972). AMÉRICA Cientes de que santo de casa não faz milagre, como diz o ditado, partem, em 1954, para uma nova excursão pelo exterior, a fim de se exibirem inicialmente no Rádio City de Nova Iorque, precedida de uma pequena temporada em Cuba. Gravam, em 1957, na RCA Victor americana, um Lp. chamado Sweet and Savage (Doce e Selvagem), no qual incluem o bolero Maria Helena, de Lorenzo Barcelata, melodias brasileiras e outros standars latinos, que todavia passa despercebido.
Voltam ao Brasil, encetando nova tentativa de penetrar no mundo artístico de sua terra. Não obtendo a mesma aceitação do exterior, resolvem encerrar as atividades artísticas. Como as economias feitas, efetuam a compra de uma propriedade rural na localidade de Araruama, distante cerca de cem quilômetros do Rio de Janeiro, com mais da metade da área coberta por mata virgem. Com a maioria dos trinta e quatro irmãos, fazem da agricultura seu novo meio de existência, procurando reproduzir a vida tribal de sua infância no contato com a natureza.
O RETORNO Estavam nessa vida anônima e calma, quando a mão do destino começou a agir. No verão de 1963, um produtor da Rádio WNEW, de Nova Iorque, para fazer o fundo musical de um programa humorístico, procura na discoteca da emissora uma música instrumental qualquer. Experimenta daqui e dali e, por acaso, puxa da prateleira justamente o Lp. Sweet and Savage, encontrando logo na primeira faixa em Maria Helena, o que estava querendo. Assim, diariamente, o fox Maria Helena foi sendo tocado nesse programa de grande audiência. Não tardaria muito para que muitos ouvintes fossem se encantando e passassem a indagar quem eram aqueles grandes instrumentistas e como poderiam adquirir o disco. Esses pedidos eram encaminhados à R.C.A. Victor, que, dado o volume das cartas, mandou editar um compacto simples, que, para sua surpresa, começou a ser vendido em todos os Estados Unidos em números impressionantes, a ponto de alcançar o 4º lugar no hit parade! Daí para o relançamento do Sweet and Savage, aquele de 1957, foi um passo. Resultado: 2º lugar entre os estéreos e 4º lugar entre os monos no ano de 1963! Os executivos da R.C.A. Victor, diante de fatos tão inacreditáveis, comunicaram-se com sua filial do Rio de Janeiro, com a ordem expressa de que aqueles índios fossem localizados e embarcados imediatamente para Nova Iorque, pois queriam produzir com eles novos discos. Encontrá-los, porém não foi nada fácil. Ninguém sabia onde tinham se escondido. Por fim, são encontrados no seu retirado sítio de Araruama, às margens da lagoa do mesmo nome. – Pensávamos que fosse brincadeira. Só acreditamos mesmo quando recebemos a passagem de ida-e-volta e ajuda de custo para seguir com destino a Nova Iorque com tudo pago… Ficamos hospedados nos melhores hotéis e só não gostamos mesmo foi do tal caviar servido todos os dias – contava Mussaperê. Em apenas trinta e seis dias, gravam em Nova Iorque dois Lps. e dois compactos, com destaque especial para Moonlight and Shadows, Solamente Una Vez e Always In My Heart, tendo esta última vendido rapidamente 200 mil cópias e ido para o 3º lugar nas paradas. Os convites para se apresentarem por todos os Estados Unidos não cessam de chegar, assim como para a Europa e o Japão, onde também se tornam ídolos. Em muitos concertos são acompanhados por orquestras filarmônicas. No início dos anos 70, já estão com 48 Lps. gravados e oito milhões de cópias vendidas. Tudo parece mesmo criação de algum delirante ficcionista, mas é a vida real e fantástica de dois pobres índios, que de uma aldeia perdida numa serra brasileira, um dia iniciaram sua jornada, rumo ao sucesso internacional, caminhando a pé.
*Texto extraído do blog de Marcelo Cozzare