Hoje o TM tem, a grata satisfação de oferecer a seus amigos cultos e ocultos um precioso documento sonoro, focalizando um dos maiores movimentos armados da história do Brasil: a Revolução Constitucionalista de 1932, ocorrida no estado de São Paulo entre julho e agosto de 1932, com o objetivo de derrubar o governo (então) provisório de Getúlio Vargas e convocar uma Assembleia Nacional Constituinte. O golpe de estado decorrente de outra Revolução, a de 1930, depôs o então presidente da República, Washington Luiz, impediu a posse de seu sucessor, Júlio Prestes, eleito nas urnas, depôs a maioria dos governadores de estado (então chamados de “presidentes estaduais”), fechou o Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas Estaduais e as Câmaras Municipais, e por fim revogou a Constituição então vigente, a de 1891. Getúlio Vargas assumiu a presidência da República, em novembro de 1930, com amplos poderes, porém, sob a promessa de convocar novas eleições e formar nova Assembleia Nacional Constituinte. Entretanto, nos anos subsequentes, essa expectativa deu lugar a um sentimento de frustração, dada a indefinição quanto ao cumprimento de tais promessas e o ressentimento contra o governo provisório, principalmente no estado de São Paulo, pois Getúlio governava de forma discricionária por meio de decretos, sem respaldo de uma Constituição e de um Poder Legislativo. Essa situação também fez diminuir a autonomia que os estados brasileiros possuíam durante a vigência da Constituição de 1891, pois os interventores nomeados por Vargas, em sua maioria tenentes, não correspondiam aos interesses dos grupos políticos locais e frequentemente entravam em atritos. No dia 23 de maio de 1932, houve um protesto contra o governo federal em São Paulo, e durante os confrontos com as tropas getulistas, quatro jovens foram mortos: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. Este foi o estopim do movimento, cujo nome era a sigla das quatro vítimas, MMDC, deflagrado a 9 de julho (data que hoje é feriado estadual em São Paulo). Com a ajuda dos meios de comunicação da época, em especial o jornal “A Gazeta” e a Rádio Record, o movimento ganhou apoio popular e mobilizou 35 mil homens, pelo lado dos lado dos paulistas, contra 100 mil soldados do governo Vargas. Esperava-se apoio de outros estados, mas o movimento ficou isolado, desenvolvendo-se uma série de batalhas. Foram quase três meses de batalhas e conflitos sangrentos em todo o estado paulista. E tudo isso terminou em 2 de outubro de 1932, com a derrota militar dos constitucionalistas. No entanto, em termos de denúncia política, o movimento foi moralmente vencedor, pois logo após o término do conflito, o governo convocou eleições para uma Assembleia Constituinte, que promulgou uma nova Constituição para o Brasil, em 1934. E com a participação das mulheres no processo eleitoral, o que acontecia pela primeira vez no país. É justamente esta importante página da história do Brasil que é contada pelo álbum hoje oferecido pelo TM, lançado em 1981, um ano antes do cinquentenário do movimento, pelo SESC (Serviço Social do Comércio) em parceria com a Fundação Roberto Marinho, parte de uma série iniciada pouco antes com a Revolução de 30 (o disco não chegou às lojas e só foi vendido nas unidades do SESC). Na capa, reproduz-se o cartaz de convocação dos paulistas à luta, feito pelo MMDC. A pesquisa e a produção musicais ficaram por conta de Jairo Severiano e MiguelÂngelo de Azevedo, o Nirez, que também contribuíram com fonogramas de seus acervos, juntamente com outros pesquisadores de renome, Ary Vasconcelos e José Ramos Tinhorão. O que resultou em um trabalho de inestimável valor histórico, reunindo músicas e trechos de discursos feitos à época pelos constitucionalistas (João Neves da Fontoura, D. Duarte Leopoldo e Silva, então arcebispo da capital paulista, o radialista César Ladeira, o professor José de Alcântara Machado) aos microfones da Rádio Record. A música-símbolo do movimento, a marcha “Paris Belfort”, claro, está aqui presente, numa gravação de 1957, feita na Continental sob a regência do maestro Rafael Puglielli. Francisco Alves, o Rei da Voz, comparece em duas faixas: o “Hino do Partido Constitucionalista”, que gravou em disco particular distribuído gratuitamente, e o samba “Anistia”, do mestre Ary Barroso, feito para o carnaval de 1934. Dessa mesma folia é o samba “Metralhadora”, interpretado por Aurora Miranda. E temos ainda a marchinha “Trem blindado”, grande êxito do carnaval de 1933 na voz de Almirante, acompanhado pelo Grupo da Guarda Velha, de Pixinguinha. Este foi inclusive um dos primeiros sucessosautorais de João de Barro, o Braguinha, compositor que, nos anos seguintes, obteria inúmeros outros êxitos na folia de Momo. A composição faz menção a três símbolos do levante paulista, a matraca, o capacete de aço e o trem blindado do título. Tudo isso, mais o “Hino acadêmico” (gravação particular), “Redenção” (hino marcial das tropas constitucionalistas) e a marchinha “Passo do soldado”, compõem um expressivo e admirável panorama sonoro desse movimento que, mesmo derrotado militarmente,marcou a vocação democrática do povo paulista, para ouvir e guardar.
*Texto de Samuel Machado Filho.