Foi a partir do final dos anos 1960 que as telenovelas passaram a ser um novo – e bem-sucedido – canal de divulgação para cantores e compositores de nossa música popular. Pioneira em praticamente tudo que se fez na telinha brazuca, a extinta TV Tupi também iniciou, em fins de 1968, uma nova fase na história da teledramaturgia brasileira, com “Beto Rockfeller”, que até hoje dita o padrão das novelas. Ao contrário dos dramalhões de época ao estilo cubano ou mexicano, então predominantes, “Beto Rockfeller”, escrita por Bráulio Pedroso, e estrelada por Luiz Gustavo, era uma história contemporânea, com diálogos mais coloquiais, e uma forma mais natural de representação dos atores. “Beto” foi, também, a primeira novela a usar, em sua trilha sonora, músicas que faziam sucesso na época, como por exemplo, as internacionais “Nobody but me” (The Human Beinz), “I started a joke” (Bee Gees), “Here, there and everywhere” (Beatles) e apenas uma nacional, “Sentado à beira do caminho”, com Erasmo Carlos. Nessa ocasião, a Rede Globo, rival da Tupi, e a caminho da liderança absoluta de audiência, abandonou os tais dramalhões de época e passou a produzir tramas mais contemporâneas, ao modo de vida dos brasileiros. A primeira novela global dessa nova fase foi “Véu de noiva” (1969), de Janete Clair (“a novela verdade, uma novela onde tudo acontece como na vida real”), estrelada por Regina Duarte. “Véu de noiva” foi também a primeira novela global a ter sua trilha sonora lançada em LP, pela Philips, por sinal já oferecida a vocês pelo TM. E a multinacional holandesa continuou a lançar em disco as trilhas sonoras das novelas da Globo até 1971, quando a emissora criou sua própria gravadora, a Som Livre, em atividade até os dias de hoje, Evidentemente, a Tupi não quis ficar atrás, e passou a lançar também em disco as trilhas de seus folhetins. Chegou até a possuir uma gravadora, a GTA (Gravações Tupi Associadas), que acabou falindo junto com a emissora, em 1980. Pois hoje o TM oferece a seus amigos cultos e ocultos um raríssimo álbum apresentando a trilha sonora de uma novela da pioneira Tupi, lançada em 1972 pela mesma Philips/Phonogram que até o ano anterior editava as trilhas globais, com o selo Intersong (que designava uma das editoras musicais do grupo holandês). A novela em questão é “Tempo de viver”, produzida pela Tupi do Rio de Janeiro e ali exibida entre 7 de agosto e 9 de dezembro de 1972. A Tupi de São Paulo boicotou “Tempo de viver” porque, em 1964/65, a co-irmã carioca não quis exibir o clássico “O direito de nascer”, feito na matriz paulistana (que, no Rio de Janeiro, passou na extinta TV Rio). Como resultado dessa briga toda, “Tempo de viver” acabou sendo exibida em São Paulo, a partir de novembro de 1972, pela TV Gazeta, emissora regional que existe até hoje. O folhetim contava a história de Juca (Reginaldo Faria), um porteiro que trabalhava na Zona Norte do Rio. Ele dividia seu tempo entre a amiga fiel Lúcia (Adriana Prieto) e a noiva Helena (Myriam Pérsia), e vivia sempre sendo seguido por um homem chamado Anjo (Jece Valadão, também diretor do folhetim junto com Marlos Andreucci). Produzido por Roberto Menescal, verdadeiro craque da MPB, este disco vem com treze faixas, três delas clássicos inesquecíveis: “Pérola Negra”, com a qual Gal Costa revelou para o Brasil seu autor, o recém-falecido Luiz Melodia, “Expresso 2222”, de e com Gilberto Gil, faixa-título do álbum que ele lançou após mais de dois anos de exílio em Londres, e “Vida de bailarina”, samba-canção de Chocolate e Américo Seixas, aqui em interpretação “arrasa-quarteirão” da não menos inesquecível Elis Regina. Destaque também para a faixa-título, instrumental, composta por Edu Lobo (então de volta ao Brasil após longo período nos EUA), “Um dia no circo”, com a sempre notável Claudette Soares, “Revendo amigos (Volto pra curtir)”, de Jards Macalé e Waly Salomão, com Lena (mais tarde regravada por outros intérpretes, inclusive o próprio Macalé), “A velha casa”, de Roberto Menescal e Paulinho Tapajós, aqui em gravação instrumental regida pelo próprio Menescal, “Badalação (Bahia volume 2)”, de Nonato Buzar e da dupla Tom e Dito, aqui com o MPB-4, e também gravada pelas cantoras Célia e Wanderléa, e “Pra valer”, de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, com o próprio Baden. E ainda tem o grupo vocal feminino Umas & Outras, interpretando o “Tango de Maurício”, personagem que, na novela, era interpretado por Rubens de Falco. Enfim, um disco interessante, um documento de sua época, que vale a pena ter em acervo. Aproveitem…
*Texto de Samuel Machado Filho