Tributo A Marcus Pereira (1982)

É inegável  a importância da gravadora Marcus Pereira para a história da nossa música popular. Ela foi a primeira no país a adotar uma política de produção alternativa, fora das grandes companhias do setor e do mecenato estatal. Como hoje o fazem selos tipo Kuarup, Biscoito Fino, Acari, Rob Digital etc. Tudo isso começou em 1967, quando o publicitário Marcus Pereira, então frequentador assíduo e sócio minoritário da boate Jogral, de São Paulo, através de sua agência de propaganda, produziu um LP para ser distribuído aos clientes como brinde de fim-de-ano, dedicado à obra de Paulo Vanzolini: o histórico “Onze sambas e uma capoeira”, reunindo vários intérpretes, entre eles Luiz Carlos Paraná (dono da Jogral), Chico Buarque e sua irmã Cristina (então estreando em disco). Mais tarde, a RGE o lançaria no mercado. Um ano depois, veio “Flauta, cavaquinho e violão”, dedicado ao choro.  Por fim, em 1973, Marcus Pereira decide fechar sua agência de publicidade e dedicar-se apenas à produção fonográfica. Assim nasceu a lendária Discos Marcus Pereira, cujo primeiro lançamento foi a série de quatro LPs “Música popular do Nordeste”, laureada com o Prêmio Estácio de Sá, do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro. E logo viriam outras, dedicadas à música popular de outras regiões do Brasil perfazendo um total de 16 álbuns. A Marcus Pereira era um selo aberto a estilos diversos de música: choro, samba, experimental… Por lá passaram nomes da mais alta estirpe da MPB, gravando ou participando de seus discos. E, em menos de dez anos de existência, o selo conseguiu lançar 144 álbuns! Entretanto, a famigerada economia brazuca fez com que a Marcus Pereira enfrentasse problemas de distribuição e acúmulo de dívidas, que deixaram a empresa à beira da falência, sem contar os problemas pessoais de seu proprietário. E tudo isso fez com que Marcus Pereira, em fevereiro de 1981, se suicidasse com um tiro no ouvido.  Um ano mais tarde, como homenagem póstuma a seu fundador e proprietário, a Discos Marcus Pereira (cujo acervo hoje pertence à Universal Music) lançou a coletânea que o TM agora oferece, prazerosamente, a seus amigos cultos, ocultos e associados. Este “Tributo a Marcus Pereira” reúne, em doze faixas, as músicas de que ele mais gostava, interpretadas por artistas que passaram por sua gravadora, em épocas e estágios diversos. Se não, vejamos: a faixa de abertura é “Engenho de flores”, interpretada pelo maranhense Papete  (José de Ribamar Viana), falecido em maio deste ano. Lançada em 1979, em seu segundo LP, “Bandeira de aço”, tornou-se hit nacional um ano depois, com Diana Pequeno. A segunda faixa é um clássico de sempre do mestre Cartola, interpretado por ele mesmo: “As rosas não falam”, gravação de 1976 que vale a pena sempre (re) ouvir, extraída do segundo álbum do mestre mangueirense.  “De Teresina a São Luís”, originalmente lançada por Luiz Gonzaga em 1962, é aqui revivida por Irene Portela, cujo registro é faixa de abertura de seu único LP-solo, “Rumo Norte” (1979). Na quarta faixa, Leci Brandão interpreta “Antes que eu volte a ser nada”, samba que a revelou para o grande público em 1975, no festival Abertura, da TV Globo, e, ainda nesse ano, daria título a seu primeiro álbum-solo. Renato Teixeira vem com “Moreninha, se eu te pedisse”, em gravação que foi originalmente lançada em 1971, num LP chamado “Álbum de família”, produzido sob encomenda da Cia. Cacique de Café Solúvel como brinde de Natal, e reeditado pela Marcus Pereira em 1974 (nesse ano, ainda seria faixa de abertura do primeiro volume de “Música popular do Centro-Oeste/Sudeste”).  “O menino (El menino)”, composição do argentino Atahualpa Yupanqui (Héctor Roberto Chavero), com letra brasileira de Dércio Marques, mineiro de Uberaba,  é interpretada por ele em gravação de 1977, extraída de seu primeiro álbum, “Terra, vento e caminho”. A inesquecível Nara  Leão interpreta “Cuitelinho”, em adaptação do mestre Paulo Vanzolini, em gravação de 1974, originalmente faixa de abertura do quarto volume de “Música popular do Centro-Oeste/Sudeste”. A irmã de Dércio Marques, Doroty, aqui comparece interpretando “Eterno como areia”, gravação de 1978, extraída do seu primeiro álbum, “Semente”.  Léo Karam interpreta “Jesuína”, gravação de 1976, lançada em seu único LP-solo, “Urbana”. Chico Maranhão (autor do frevo “Gabriela”, sucesso no festival de MPB da TV Record de 1967) aqui interpreta “A vida do ‘seu’ Raimundo”, lançada em 1980, em seu terceiro LP-solo, “Fonte nova”.  Surgida em outro festival de MPB da Record, o de 1966, na voz de Elza Soares, “De amor ou paz”, composição de Luiz Carlos Paraná e Adauto Santos, é aqui revivida por este último, em faixa do álbum “A música de Carlos Paraná”, lançado com o selo Jogral em 1971 e depois reeditado pela Som Livre e, claro, pela Marcus Pereira. Para finalizar, o próprio Luiz Carlos Paraná interpreta, de sua autoria, a guarânia “Vou morrer de amor”, faixa desse mesmo LP de 1971 anteriormente mencionado, documentando sua obra como compositor (o registro original é dele mesmo, feito em 1963). Enfim, um resumo interessante do memorável  legado da Discos Marcus Pereira, que, conforme está escrito na contracapa, foi “muito mais um estado de espírito do que uma gravadora convencional”.

engenho das flores

as rosas não falam

de terezina a são luiz

antes que eu volte a ser nada

moreninha se eu te pedisse

o menino

cuitelinho

eterno como areia27

jesuína

a vida de ‘seo’ raimundo

de amor ou paz\

vou morrer de amor

*Texto de Samuel Machado Filho