E eis de volta o Grand Record Brazil, para alegria dos amigos cultos, ocultos e associados do TM. Nesta quinquagésima-oitava edição, estamos trazendo de volta, mais uma vez graças ao esforço do amigo e colecionador Beto de Oliveira, parcela substancial da carreira-solo de Elvira Pagã.
Nossa biografada, cujo nome de batismo era Elvira Olivieri Cozzolino, nasceu na cidade paulista de Itararé, divisa de São Paulo com o Paraná, no dia 6 de setembro de 1920. Ainda pequena, mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, onde estudou num colégio de freiras, o Imaculada Conceição. Ainda estudante, organizava com a irmã, Rosina, inúmeras festas onde travariam inúmeras relações com o meio artístico da então Capital da República, sobretudo com os integrantes do Bando da Lua. Ainda na década de 1930, Rosina e Elvira atuaram em um espetáculo de inauguração do Cine Ipanema, ao lado dos Anjos do Inferno. Nessa ocasião receberam, de Heitor Beltrão, o apelido de Irmãs Pagãs (como a dupla ainda não tinha nome, Heitor a considerava “pagã”), que adotariam para o resto da vida.
As Irmãs Pagãs se apresentaram em inúmeras emissoras de rádio, como a Mayrink Veiga, e gravaram juntas um total de treze discos. Por quatro meses, excursionaram pela Argentina, Peru e Chile. Atuaram nos filmes “Alô, alô, carnaval”(1935), “O bobo do rei”, “Cidade-mulher” (ambos de 1936), “Favela” (1939), “Laranja da China” (1940) e a produção argentina “Trés anclados em Paris” (1938).
A dupla encerrou-se em 1940, com o casamento de Elvira, e ambas passam a seguir carreiras independentes. Elvira Pagã tornou-se uma das maiores estrelas do teatro de revista, disputando com Luz del Fuego (Dora Vivacqua, Cachoeiro de Itapemirim, ES, 1917-Rio de Janeiro, 1967) o papel de destaque entre as mulheres brasileiras mais ousadas de seu tempo: foi a primeira a trajar biquini em Copacabana e, nos anos 1950, posou nua para uma foto, que distribuiu, vejam vocês, como cartão de Natal! Elvira foi também responsável direta por uma das tentativas de suicídio do compositor Assis Valente (ele cortou os pulsos, mas foi salvo), ao cobrar dele uma dívida escandalosa de 4.000 cruzeiros. Sua beleza e sensualidade lhe fizeram a fama (e lhe causaram até mesmo inúmeras prisões), tornado-a uma das “sex symbols” mais cobiçadas da época. Seu fã mais ardoroso era o perigosíssimo bandido Carne Seca, cuja cela na prisão estava abarrotada de fotos de Elvira, com destaque para uma na qual a vedete estava deitada sobre uma pele de onça, e onde se lia a dedicatória: “Para Carne Seca, um consolo de Elvira Pagã”. Foi a primeira rainha do carnaval carioca – uma inovação nos festejos de Momo, que até hoje se mantém. No cinema, participou dos filmes “Carnaval no fogo” e “Dominó negro”, ambos de 1949, e “Aviso aos navegantes”, de 1950, também fazendo pontas em “Vegas nights” (1948) e “Écharpe de seda” (1950).
A partir dos anos 1970, passou a dedicar-se à pintura, adotando um estilo esotérico, mas não obteve muito destaque nessa atividade. Com a maturidade, Elvira foi se tornando misantropa e temperamental, evitando qualquer tipo de contato pessoal, principalmente com jornalistas e pesquisadores.
Elvira Pagã faleceu no Rio de Janeiro, em 8 de maio de 2003, fato este só divulgado três meses depois pela irmã, Rosina, então residindo nos EUA.
Como cantora-solo, Elvira gravou, em 78 rpm, doze discos com vinte e três músicas, onze delas de sua própria autoria (sendo a primeira delas o samba-jongo “Batuca daqui, batuca de lá”), entre 1944 e 1959. Desta produção, o GRB apresenta 16 preciosíssimos fonogramas. Para começar, as músicas de seu disco de estreia como solista, o Continental 15174, lançado em junho de 1944, apresentado os sambas “Arrastando o pé”, de Peterpan e Afonso Teixeira, matriz 829, e “Samburá”, de Gadé e Walfrido Silva, matriz 830. Em seguida,, os sambas de seu terceiro disco, também na então “marca dos três sininhos”, lançado em junho de 45 sob número 15353: “Na Feira do Cais Dourado”, de Nélson Teixeira e Nélson Trigueiro, matriz 1112, e “Um ranchinho na lua”, de Babi de Oliveira, matriz 1111. Em dezembro de 1949, Elvira lança pela Star, para o carnaval de 50, disco 169, duas composições de Sebastião Gomes e Nélson Teixeira: a “Marcha do ré” e o samba “Sangue e areia”. Ainda de 1950, apresentamos o disco Star 217, com o baião “Vamos pescar”, da própria Elvira mais Valentim, e o baião “Sururu de capote”, de José Cunha e Ramiro Guará, referência a uma iguaria gastronômica muito apreciada em Alagoas, em que o sururu, um molusco, é cozido ainda dentro da concha com leite de coco, tomate, cheiro verde e outros temperos. Depois, retira-se o caldo e serve-se o sururu, tanto como petisco como refeição, acompanhado de muita pimenta, pirão e purê de macaxeira (“Sururu de capote” deu título até mesmo a uma música do alagoano Djavan, por ele gravada em seu primeiro álbum, e à banda que o acompanhava em seus shows).
Para a folia de 1951, Elvira lança sob o selo Carnaval, da Star, disco 038, a marchinha “A rainha da mata”, dela própria com Valentim (referência direta à sua eleição para rainha do carnaval carioca, a primeira de longa dinastia) e o samba “Pau rolou”, de Sátiro de Melo e Manoel Moreira. Ainda em 51, a mesma Star lança, com o número 269, duas composições da própria Elvira: no lado A, o samba ”Cassetete, não!”, sem parceiro, ironizando os maus-tratos por ela sofridos em uma delegacia depois de uma de suas muitas passagens pela polícia, dada sua postura, então considerada imoral e agressiva por muitos. A música fez tanto sucesso que era cantada por travestis, que sofriam (como ainda hoje sofrem) perseguições policiais. Os “travecos”, quando davam as caras com os homens da lei, cantavam a música imitando os trejeitos de Elvira! No verso desse disco, apareceu o baião “Saudade que vive em mim”, parceria dela com Valentim.
Apresentamos depois as músicas do único 78 de Elvira Pagã no selo Ritmos, para o carnaval de 1956, número 20-0060, com duas composições próprias: a marchinha “Marreta o bombo” e o samba “Condenada”. Por fim, as músicas de seu penúltimo disco, o Marajoara MA-10009, para o carnaval de 1959, também da própria Elvira: a marchinha “Papel pintado”, matriz M-17, com parceria de Orlando Gazzaneo, e o samba “Você partiu”. Matriz M-18, que ela fez com Airão Reis e Nélson de Oliveira. Enfim, é com muita alegria que apresentamos esta retrospectiva de Elvira Pagã, e quem tiver as cinco músicas que ainda faltam para completar sua discografia-solo, entre em contato com o amigo Beto pelo email:betodec39@yahoo.com.br, que ele está no aguardo!
* Texto de SAMUEL MACHADO FILHO