Cantores – Seleção 78 RPM Do Toque Musical Vol. 124 (2014)

E chegamos à edição de número 124 do Grand Record Brazil. Para esta semana, o amigo Augusto preparou uma seleção variada, interessante e como sempre de grande valor histórico e artístico. Aqui estão catorze gravações, por certo bastante representativas de nosso glorioso passado musical, interpretadas por sete cantores, com duas faixas para cada um.
Para começar, apresentamos Carlos Alberto Ferreira Braga, o João de Barro, também conhecido por Braguinha (Rio de Janeiro,  29/3/1907-idem, 24/12/2006), compositor de inúmeros e expressivos sucessos no carnaval e no meio-de-ano. Nesta edição de GRB, apresentamos duas gravações que ele fez como intérprete, à frente do Bando de Tangarás, na Parlophon, ambas do disco 13173, lançado em junho de 1930. Começamos com o lado B, matriz  3539, uma toada de autoria dele próprio, “A mulher e a carroça”. Depois temos o lado A, matriz 3538, por certo o que mais apareceu. Trata-se do samba “Minha cabrocha”, de autoria de Lamartine Babo, então definindo seu estilo.  Este, aliás, foi o primeiro grande sucesso autoral de Lalá, e, embora samba de meio-de-ano, também alcançaria êxito no carnaval de 1931. “Minha cabrocha” é conhecido até hoje e tem várias regravações. Nélson Gonçalves (Santana do Livramento, RS, 21/6/1919-Rio de Janeiro, 18/4/1998), o sempre querido e lembrado “metralha do gogó de ouro”, cujos álbuns têm sido presença cativa no Toque Musical, está presente nesta edição do GRB com outras duas faixas, que gravou na Victor em princípio de carreira. A primeira é o clássico fox-canção “Dos meus braços tu não sairás”, de autoria de Roberto Roberti. Nélson o imortalizou na marca do cachorrinho Nipper em 27 de abril de 1944,com lançamento em junho do mesmo ano, disco 80-0186-A, matriz S-052950. Depois temos “A valsa de Maria”, de Custódio Mesquita e David Nasser, gravada em 28 de janeiro de 1943 e lançada em abril do mesmo ano, disco 80-0066-A, matriz S-052706. Em ambas as faixas, o acompanhamento é da orquestra do próprio Custódio Mesquita. Temos,  em seguida, as músicas do único 78 rpm de Jonas Corrêa Tinoco (Niterói, RJ, 14/9/1918-Rio de Janeiro, 1/12/1986), o Victor 33639, gravado em 13 de julho de 1932 e lançado somente em abril de 33, quando ele tinha 15 anos incompletos. O lado A, matriz 65543, sem dúvida foi o que se tornou mais conhecido:  a “Canção do jornaleiro”, de autoria de Heitor dos Prazeres, que popularizou Jonas de imediato e motivou a realização de uma campanha de amparo aos pequenos jornaleiros. Êxito permanente, teve regravações por Franquito, Enéas Fontana e até mesmo por Wanderley Cardoso, um dos futuros astros da Jovem Guarda.  No lado B, matriz 65544, Jonas gravou outra pungentíssima canção, “Não tenho mais felicidade”, composta pelo mesmo autor de “Cidade maravilhosa” e “Alô, alô”, André Filho. Entretanto, Jonas Tinoco abandonou de repente sua carreira, que começara bastante promissora, por motivos até hoje desconhecidos. Sylvio Vieira (Jacareí, SP, 28/5/1899-Petrópolis,RJ, 7/2/1970) tinha origem nobre: era Baronete da Pedra Negra. Estudou canto lírico e sua estreia profissional se deu em 23 de abril de 1920, no Teatro São José de São Paulo, interpretando o papel de Valentim na ópera “Fausto”, de Gounod. Atuou em companhias populares e em revistas, nos principais teatros da então capital da República, o Rio de Janeiro (João Caetano, Glória. Cassino, Recreio). Em 23 de novembro de 1935, fez parte da primeira apresentação completa, em português, da ópera “O guarani”, de Carlos Gomes, no Teatro Municipal carioca, sendo figura constante nas temporadas líricas oficiais dessa casa de espetáculos até o início dos anos 1960. Sylvio Vieira comparece nesta edição do GRB com as músicas do disco Victor 33558, gravado em 29 de abril de 1932 e lançado em junho do mesmo ano. O lado A, matriz 65477, apresenta o maior sucesso do cantor na área da música popular: a canção “Frô do ipê”, de autoria do pistonista Bomfiglio de Oliveira, em parceria com Nélson de Abreu. No lado B, matriz 65478, ele nos apresenta outra canção, esta de André Filho, “Como é lindo o teu olhar”. Carlos Galhardo,  o eterno “cantor que dispensa adjetivos”, é aqui apresentado em dois momentos distintos de sua vitoriosa carreira. De início, ele interpreta aqui “Felicidade… é quase nada”, de Joubert de Carvalho e Gilberto de Andrade, em ritmo de samba-canção (no original era rumba). Seu criador, nos palcos e no disco, foi Roberto Vilmar, em  1933.A regravação de Galhardo foi feita na RCA Victor em 24 de maio de 1950, com lançamento em agosto do mesmo ano, disco 80-0674-B, matriz S-092682. Pulamos em seguida para o início da carreira de Galhardo, apresentando a faixa de abertura de seu primeiro disco, o Victor 33625, gravado em 5 de janeiro de 1933 e lançado em março do mesmo ano, matriz 65658: é o frevo-canção (então chamado de “marcha pernambucana”) “Você não gosta de mim”, de autoria dos irmãos Raul e João Victor Valença. Carlos Galhardo,por sinal, seria o cantor do Sul mais fiel ao frevo, lançando músicas do gênero em vários carnavais, sempre com sucesso certo no Recife e, por tabela, em todo o Nordeste. Autêntico precursor da bossa nova, Mário Reis (Rio de Janeiro, 31/12/1907-idem, 5/10/1981) aqui interpreta dois sambas do mestre de Ubá, Ary Barroso, por sinal seu colega de Faculdade de Direito. Primeiro, “Deixa esta mulher sofrer”, gravação Columbia de 13 de outubro de 1939, lançada em  dezembro do mesmo ano, disco 55189-A, matriz 218. A faixa seguinte vem a ser a primeira composição gravada de Ary, “Vou à Penha”, aludindo a uma festa que acontece no Rio de Janeiro entre os meses de outubro e novembro, no caminho de subida para a Igreja da Penha, ao lado do Parque Shangai, com barraquinhas, venda de artigos religiosos, alimentação típica, etc. O samba saiu no quarto disco de Mário Reis, o Odeon 10298-A, em dezembro de 1928, matriz 2078, e teria uma continuação trinta anos mais tarde, composta pelo próprio Ary, “Eu fui de novo à Penha”, gravada por Lucienne Franco. Por fim, apresentamos Roberto Vidal, cantor que teve sua época, mas foi esquecido com o passar do tempo.  Aqui temos as faixas do disco RCA Victor 80-2159, gravado em 28 de outubro de 1959 e lançado em janeiro de 60. O lado A, matriz 13-K2PB-0805, é um clássico bastante conhecido: “Negue”, samba-canção de Adelino Moreira em parceria com  Enzo de Almeida Passos, criador, no rádio, do “Telefone pedindo bis” e da “Grande parada Brasil”. Teria seu sucesso confirmado e aumentado pelas regravações que recebeu posteriormente:  Carlos Augusto, Linda Rodrigues, Nélson Gonçalves, Cauby Peixoto… e, em 1978,  “Negue” voltaria às paradas de sucesso, na voz de Maria Bethânia.  Este registro original de Roberto Vidal para “Negue”chegaria, em 1961, a seu primeiro LP, sem título (RCA Camden CALB-5038). Entretanto, o lado B do 78, matriz 13-K2PB-0806, estranhamente, não teria a mesma sorte. Trata-se do samba “Triste coração”, de autoria da cantora Linda Rodrigues em parceria com Aldacir Louro. Portanto, é mais uma raridade que o GRB nos apresenta, encerrando a seleção desta semana, apresentando sete cantores e catorze interpretações que têm em comum seu inestimável valor artístico e histórico. Bom divertimento e até a próxima!
*Texto de Samuel Machado Filho

A Era Getúlio Vargas – Seleção 78 RPM Do Toque Musical – Vol.19 (2012)

Nenhum outro presidente da República no Brasil ficou tanto tempo no poder quanto o gaúcho Getúlio Dornelles Vargas (São Borja, RS-1882-Rio de Janeiro, 1954). Ele chegou à presidência em 1930, após a deposição de Washington Luís, de quem ironicamente havia sido ministro da Fazenda, e consequente fim da “política café com  leite”, em que São Paulo e Minas Gerais se.alternavam no comando da Nação. Daí em diante, ficou quinze anos ininterruptos, até ser deposto em 1945. Em 1951, Getúlio voltou ao poder, desta vez pelo voto direto, mas em virtude de forte oposição a seu governo (no qual inclusive foi criada a Petrobrás), acabou se suicidando no dia 24 de agosto de 1954, provocando comoção geral em todo o país. Somando-se esses dois períodos, Getúlio ficou no poder durante dezoito anos e sete meses, um recorde absoluto.
O Grand Record Brazil começa hoje a nos transportar para esse que foi um dos mais importantes períodos da História brasileira: a era getulista. Tudo começa com a derrota de Getúlio Vargas para Júlio Prestes, na eleição de 1930. A 26 de julho daquele ano, João Pessoa, candidato a vice na chapa derrotada, foi assassinado a tiros na Confeitaria A Glória, do Recife, por seu desafeto João Dantas, por motivos estritamente pessoais. Apesar disso, a oposição transformou o fato em instrumento político, jogando o povo contra o governo. Daí nasce a Aliança Liberal, formada pelos estados do Rio Grande do Sul, da Paraíba e de Minas Gerias, que depõe Washington Luíz e põe Getúlio no poder, a famosa Revolução de 30.
O disco que abre nossa seleção musical desta semana é o Columbia 5117, lançado em dezembro de 1929, com duas marchinhas de Hekel Tavares e Luiz Peixoto (parceiros na clássica canção “Casa de caboclo”) para o carnaval de 30, interpretadas pelo paulistano Jayme Redondo (1890-1952), com acompanhamento de grupo regional, e que refletem muito bem os momentos acirrados da sucessão de Washington Luís.  No lado A, a matriz 380430 apresenta “Harmonia! Harmonia!”, e o verso, matriz 380431, “Comendo bola”. Nessas duas músicas, há todo um rico documentário político de fatos e personagens: Barbado (Washington Luís), Antônio Carlos (então governador mineiro), as cartas turcas, 17 Estados a favor de Prestes e só três contra, etc. “Comendo bola” é nitidamente a favor de Júlio Prestes: “Getúlio, você tá comendo bola/ Não te mete com seu Júlio/ Não te mete com seu Júlio/ que seu Júlio tem escola”.
Evidentemente, por questão de bom senso, mostramos aqui também o outro lado, ou seja, o dos getulistas. Vitoriosa a Revolução de 30, com Getúlio já no poder, Lamartine Babo lança, para o carnaval de 1931, a marchinha “G-E-Gê (Seu Getúlio)”, fazendo velada propaganda do novo chefe da nação, com a exaltação da nova ordem para o povo brasileiro, a mudança custe o que custar. Possivelmente teria sido executada como “jingle” político na construção do apoio ao golpe contra Prestes. Almirante e o Bando de Tangarás ficaram incumbidos de lançá-la, pela Parlophon, em janeiro de 1931, no disco 13274-B, matriz 131057, com acompanhamento da Orquestra Guanabara.
Seis anos mais tarde, durante o chamado “governo provisório” getulista, fala-se na possibilidade de eleições para a escolha do sucessor de Getúlio na presidência, com dois fortes candidatos: o então governador de São Paulo Armando Salles de Oliveira (o seu Manduca), este com a candidatura já lançada, e o ministro Osvaldo Aranha (o seu Vavá), que na verdade nem sequer chegou a se candidatar. A 28 de novembro de 1936, Sílvio Caldas grava na Odeon, para o carnaval de 37, com lançamento em janeiro (11450-A, matriz 5468), a marchinha “A menina presidência”, de Nássara e Cristóvão de Alencar, vencedora de um concurso chamado “Quem será o homem?”, antecipando o desfecho nos versos finais do estribilho: “Na hora H quem vai ficar é seu Gegê”. E, de fato, as eleições não aconteceram, pois a 10 de novembro de 1937, Getúlio implanta no país o Estado Novo, com maior centralização do poder, ficando na presidência até sua deposição, em 1945.
Do Estado Novo já é a faixa seguinte, a marchinha “Glórias do Brasil”, de Zé Pretinho e Antônio Gilberto dos Santos. Foi gravada na Odeon em 16 de agosto de 1938, com lançamento em outubro seguinte com o número 11646-A, matriz 5902, na interpretação de Nuno Roland (Reinold Correia de Oliveira, 1913-1975), catarinense de Joinville, então em princípio de carreira. É uma verdadeira exaltação de cunho patriótico ao então chefe da Nação.
Mais tarde, seguindo o exemplo do governo fascista italiano, Getúlio decreta o aumento do imposto de renda dos solteiros, e incentiva com benefícios as famílias numerosas. Isso inspira o  poeta de Miraí, Ataulfo Alves, a compor com Felisberto Martins o samba “É negócio casar!”, que ele próprio grava na Odeon em 12 de junho de 1941, com acompanhamento da orquestra do maestro Fon-Fon (Otaviano Romero Monteiro), sendo o disco lançado em outubro seguinte com o número 12047-A, matriz 6686. Uma autêntica e interessante crônica.
Um ano mais tarde, foi lançado um sem número de canções patrióticas, refletindo a tensão provocada pela Segunda Guerra Mundial, iniciada em 1939  e que já preocupava e afetava o Brasil, visando levantar o orgulho e a consciência nacionais. Dessa época é o samba “Brasil brasileiro”, gravado por Carlos Galhardo na Victor com acompanhamento da orquestra do maestro Passos, em 9 de junho de 1942, com lançamento em agosto seguinte, disco 34951-A, matriz S-052546. Pouco tempo antes, em maio de 42, a Columbia lançou, na voz de Déo (Ferjallah Rizkallah, “o ditador de sucessos”), acompanhado por Chiquinho e seu ritmo, o samba “O sorriso do presidente”, de Alcyr Pires Vermelho e Alberto Ribeiro, disco 55336-A, matriz 525. Nesse mesmo ano, por força do torpedeamento de navios mercantes brasileiros, o Brasil declarava guerra aos países do Eixo, Alemanha, Itália e Japão, assim entrando no conflito.
Finalizando esta primeira parte, temos o grande Moreira da Silva, o eterno Kid Morenguera, inimitável rei do samba de breque, interpretando, de Henrique Gonçalez, “Diplomata”, gravado na Odeon em primeiro de outubro de 1942, com a declaração brasileira de guerra já consumada,  e lançamento em janeiro de 43 sob número 12252-A, matriz 7075. Devidamente acompanhado pelo regional do multi-instrumentista Garoto (Aníbal Augusto Sardinha, 1915-1955, autor de “Duas contas”, “São Paulo quatrocentão” e “Gente humilde”), Moreira exalta a figura de Getúlio, um “homem de fibra”, e conclama o povo brasileiro à luta.

Enfim, são autênticas crônicas musicais desse período importante de nossa História. E fiquem ligados, pois semana que vem tem mais. Até lá!


TEXTO DE SAMUEL MACHADO FILHO