A Música de Ismael Silva Na Voz De… – Seleção 78 RPM Do Toque Musical Vol. 86 (2014)

Chegamos à edição de número 86 do Grand Record Brazil, apresentando a terceira parte de nossa retrospectiva da obra do compositor Ismael Silva (1905-1978). São mais dezessete composições deste notável mestre do samba, cantadas por intérpretes diversos, inclusive ele mesmo. Para começar, temos um dos mais expressivos intérpretes da obra de Ismael, Mário Reis.  Ele interpreta aqui, como solista, as quatro primeiras faixas deste volume do GRB,  todas elas sambas e em gravações Odeon, a saber: “Novo amor”, de Ismael sem parceiro, gravação de 27 de fevereiro de 1929, lançada em abril do mesmo ano com o n.o 10357-A, matriz 2400; “Sofrer é da vida”, parceria de Ismael com Francisco Alves e Nílton Bastos, gravado em 28 de novembro de 1931 com vistas ao carnaval, mas só lançado em julho de 32 (deveria, pela lógica, ter saído em janeiro) com o n.o 10872-A, matriz 4375; “Ao romper da aurora”, parceria de Ismael e Francisco Alves com outro mestre, Lamartine Babo,  também do carnaval de 1932, disco 10881-A, matriz 4398; e “Uma jura que fiz”, da parceria de Ismael Silva com Noel Rosa e Francisco Alves, que Mário gravou em 12 de julho de 1932, disco 10928-A, matriz 4482. Na faixa seguinte, volta a dupla Francisco Alves-Mário Reis, de quem apresentamos alguns registros  na edição anterior, agora interpretando uma obra-prima do samba, “Arrependido”, da santíssima trindade Ismael Silva-Chico Viola-Nílton Bastos, gravação Odeon de 28 de fevereiro de 1931, lançada em abril do mesmo ano sob n.o 10780-A, matriz 4163 (em nosso volume anterior apareceu o outro lado, “O que será de mim?”).  Sílvio Caldas, o eterno “caboclinho querido”, aqui comparece com duas faixas assinadas exclusivamente por Ismael Silva, que gravou na Odeon em  14 de dezembro de 1934 com lançamento em fevereiro de 35 (claro que para o carnaval) sob n.o 11194, o samba ‘Agradeças a mim” (lado B, matriz 4974) e a marchinha “Cara feia é fome” (lado A, matriz 4972). Jonjoca (João de Freitas Ferreira) vem em seguida com outro samba só de Ismael, ‘Não te dou perdão”, lançado pela Odeon em fevereiro de 1930 para o carnaval, disco 10579-A, matriz 3366. J. B. de Carvalho,  que se converteu à umbanda e gravou por toda a carreira a música de sua religião (teve até terreiro e programa de rádio do gênero), aqui comparece com outro samba de Ismael Silva sem parceiro, “Com a vida que pediste a Deus”, gravação Odeon de 26 de outubro de 1939, lançada em janeiro de 40 para o carnaval, “of course”, sob n.o 11803-B, matriz 6237. “Fã”, outro samba de Ismael sem parceria, foi gravado na mesmíssima Odeon por Gilberto Alves em  14 de julho de 1942, com lançamento em setembro do mesmo ano sob n.o 12189-B, matriz 7015. Compositor e humorista de rádio, Silvino Neto, pai do comediante Paulo Silvino, aqui interpreta uma marchinha de Ismael Silva sem parceiro, “Boa boca”, gravada na Victor em 18 de fevereiro de 1941 e lançada bem em cima do carnaval de 42, em fevereiro, disco  34873-B, matriz S-052447. Nélson Gonçalves, o eterno “metralha do gogó de ouro”, vem com o samba “Não tenho queixa”, parceria de Ismael Silva com David Raw, gravação também da Victor, datada de  15 de dezembro de 1942 com lançamento bem cima do carnaval de 43, em fevereiro, disco  80-0050-A, matriz S-052678. Orlando Silva, o sempre lembrado “cantor das multidões”, comparece com um samba que Ismael fez com Roberto Roberti e Arlindo Marques Jr.,  “Se eu tiver que escolher”, gravação Odeon de 12 de dezembro de 1945, editada bem em cima do carnaval de 46, em fevereiro, sob n.o 12672-B, matriz 7958. A faixa seguinte é “Antonico”, samba com o qual Ismael Silva retornou às paradas de sucesso, depois de anos no ostracismo. Foi imortalizado na Odeon por Alcides Gerardi em 19 de janeiro de 1950, com lançamento em  abril do mesmo ano sob n.o 12993-B, matriz 8625. É um samba pungente que foge à linha tradicional do autor, pelo andamento um pouco mais lento (o personagem Nestor, de que fala a letra, é o próprio Ismael Silva, na época enfrentando problemas financeiros). Clássico inúmeras vezes regravado. Cyro “Formigão” Monteiro, “o cantor das mil e uma fãs”, comparece aqui com a marchinha “Eu sou um”, também de Ismael sem parceiro, do carnaval de 1940. Gravação Victor de 11 de outubro de 39, lançada ainda em dezembro sob n.o 34529-A, matriz 33184. O Ismael Silva intérprete dá as caras nesta seleção com seu samba “Me diga o teu nome”, lançado pela Odeon em dezembro de 31 (lógico, para o carnaval de 32) sob n.o 10858-A, matriz 4280. No selo original, Francisco Alves e Nílton Bastos aparecem como co-autores, mas, em regravações posteriores, só Ismael  aparece como autor deste samba. Conhecido como “a voz de dezoito quilates”, João Petra de Barros aqui interpreta outro samba só de Ismael, “Não é tanto assim”, gravação Odeon de 18 de dezembro de 1933, lançada em janeiro de 34 para o carnaval, disco 11089-B, matriz 4771, finalizando a terceira parte de nossa retrospectiva.   Enfim, mais uma contribuição do GRB à preservação de nossa memória musical. Até a semana que vem!

* Texto de SAMUEL MACHADO FILHO

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A Era Getúlio Vargas Vol. 2 – Seleção 78 RPM Do Toque Musical – Vol. 20 (2012)

O Grand Record Brazil está de volta com a segunda e última parte da crônica musical da era Getúlio Vargas. Obedecendo à cronologia dos fatos, começamos com a deposição de Getúlio pelos militares, acontecida em 29 de outubro de 1945. O “pai dos pobres” teria de deixar o poder, após quinze anos, pois as eleições estavam marcadas para 2 de dezembro daquele ano. Mas Getúlio articulava sua candidatura e mesmo um novo golpe, como em 1937, e a campanha “Queremista” (“Queremos Getúlio”) estava nas ruas. Os militares entraram em cena e tiraram Getúlio do poder à força. Nem bem Getúlio saía do Catete, Herivelto Martins e Ciro de Souza compuseram uma marchinha para o carnaval de 1946: “Palacete no Catete”. Apenas um dia depois, 30 de outubro de 45, lá estava Francisco Alves no estúdio da Odeon para gravar, acompanhado da orquestra de Fon-Fon (Otaviano Romero Monteiro), “Palacete no Catete”, em que Getúlio é apresentado como o “inquilino”que se mudou de lá após morar nele quinze anos. Em dezembro de 1945, o disco já estava nas lojas com o número 12649-A, matriz 7927. Nas eleições daquele ano, a vitória foi do candidato apoiado por Getúlio, o marechal Eurico Gaspar Dutra.
Cinco anos depois, a 20 de janeiro de 1950, Jorge Goulart grava na Continental, para o carnaval desse ano, a marchinha “Ai, Gegê”, de João “Braguinha” de Barro e Alberto Ribeiro, expressando a saudade que o povo então sentia de Getúlio e mostrando como a situação piorou depois de sua saída do poder, até mesmo a inflação. O disco saiu pela Continental com o número 16172-A, matriz 11110, em março-abril de 1950, detalhe intrigante, uma vez que o carnaval já havia passado…
 A deposição de Getúlio fez com que seu retrato oficial, com a faixa de presidente, datado de 1934, fosse retirado das repartições públicas e até mesmo das paredes de muitos lares, sendo que até não simpatizantes o mantinham pendurado em casa, por precaução. Mas o tempo passou e, em 1950, Getúlio foi o grande vitorioso das eleições presidenciais, acontecidas em 3 de outubro daquele ano. Ironizando os anti-getulistas, Haroldo Lobo e Marino Pinto compõem a espirituosa marchinha “Retrato do velho”, concitando a volta do mesmo. Gravada por Francisco Alves na Odeon, em 16 de outubro de 1950, com acompanhamento de regional, e lançada um mês antes do carnaval de 51, janeiro, com o número 13078-A, matriz 8826, “Retrato do velho” foi um grande sucesso na folia daquele ano, e na edição impressa dos irmãos Vitale os autores homenageiam o jornal “O Radical”, então “líder dos órgãos trabalhistas brasileiros”.
Em seu segundo mandato, Getúlio cria o Ministério da Economia, e isso inspira Geraldo Pereira e Arnaldo Passos a compor um interessante samba-crônica a respeito, com perspectivas bastante otimistas, inclusive com barateamento do custo de vida. A música, também chamada “Ministério da Economia”, é lançada pelo próprio Geraldo na Sinter, em agosto de 1951, com o número 00-00.071-B, matriz S-150, e mereceu mais tarde inúmeras regravações, uma delas inclusive com Bebel Gilberto, em dueto com Pedrinho Rodrigues.
E, como a moradia sempre foi problema, Horácio Felisberto, o Dácio, compõe para o carnaval de 1952 o samba “Coisa modesta”, na qual um operário, morando embaixo da ponte por causa de despejo, pede a Getúlio uma moradia bem simples, nada sofisticada, apenas um barracão para poder morar com um mínimo de conforto. Alcides Gerardi o gravou na Odeon em 22 de outubro de 1951, com lançamento um mês antes da folia de 52, janeiro, com o número 13213-A, matriz 9165.
 O bordão com que Getúlio Vargas iniciava seus discursos, “Trabalhadores do Brasil”, inspira o humorista e compositor Silvino Neto a lançar um samba mostrando que naquela ocasião a vida estava “de amargar”. Ele próprio o lança na Copacabana, em janeiro de 1953, com vistas, claro, ao carnaval desse ano, disco 5035-B, matriz M-301. O próprio Silvino Neto é quem imita Getúlio no início do registro, como fazia no programa de rádio “Pimpinela escarlate”.
 Já naquele tempo, o funcionalismo público já era aquilo que chamamos de “cabide de emprego”. É o que comprova a marchinha de Arlindo Marques Jr. e Roberto Roberti aqui incluída: “Se eu fosse o Getúlio”, na qual, através do vozeirão do grande Nélson Gonçalves, eles pedem que toda essa gente seja mandada para a lavoura, ou seja, o setor agro-pecuário. Gravação RCA Victor de 16 de novembro de 1953,  lançada para o carnaval de 54 um mês antes do mesmo, janeiro, com o número 80-1248-B, matriz BE3VB-0308. Creio que seja adequada para qualquer presidente brasileiro que esteja no poder, até mesmo a atual titular do posto…

Em 5 de agosto de 1954, ocorre um atentado em frente ao prédio em que residia o jornalista e político Carlos Lacerda, ferrenho opositor de Getúlio Vargas, em frente ao edifício em que residia, na Rua Tonelero, no bairro carioca de Copacabana. Lacerda é ferido no pé  e o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, que o acompanhava, acabou morto. O atentado foi atribuído a membros da guarda pessoal de Getúlio, sendo seu líder, Gregório Fortunato, acusado de ser o mandante do crime, e além disso a FAB, à qual pertencia o major Vaz, tinha como grande herói o brigadeiro Eduardo Gomes, derrotado por Getúlio nas eleições de 1950. Isso desencadeia grave crise política, na qual o povo e os militares pedem a renúncia de Getúlio. Não tendo outra alternativa, e após aquela que seria sua última reunião ministerial como presidente da República, Getúlio se suicida com um tiro no coração, na fatídica madrugada de 24 de agosto de 1954, deixando uma famosa carta-testamento e causando forte comoção em todo o pais. Por isso mesmo, encerramos esta retrospectiva musical da era Vargas com duas homenagens póstumas. A primeira é o rojão (espécie de baião mais acelerado) “Ele disse”, lançado na Copacabana por Jackson do Pandeiro dois anos após a morte de Getúlio, em 1956, com o número 5579-A, matriz M-1503, citando inclusive uma frase dessa carta: “O povo de quem fui escravo jamais será escravo de ninguém”. E a segunda, composta por João “Braguinha” de Barro, é o “Hino a Getúlio Vargas”, lançado por Gilberto Milfont na Continental em setembro-outubro de 1958 com o número 17579-A, matriz C-3478. Curiosamente, no verso do disco, a música aparece em versão apenas instrumental, com a Orquestra Continental. Enfim, esta é a segunda e última parte de uma retrospectiva que apresentou interessantes crônicas musicais da era getulista, inclusive mostrando a comoção que seu trágico suicídio desencadeou. Mas, como diz o hino de Braguinha, Getúlio ficará para sempre no coração do Brasil! 


*TEXTO DE SAMUEL MACHADO FILHO